O ex-secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo, afirmou nesta terça-feira em depoimento à CPI da Pandemia que a ajuda do Governo federal chegou tarde ao Estado e que, mesmo diante da escalada da crise do oxigênio, a Gestão Jair Bolsonaro seguiu pregando a prioridade do ineficaz “tratamento precoce” contra a doença provocada pelo novo coronavírus.
“O repasse de recursos do Governo federal, quando chegam, chegam em um momento de diminuição de taxas [de ocupação dos leitos]”, afirmou. “O investimento foi feito em sua maior parte pelo governo do Amazonas”, disse. Além da demora, Campêlo revelou que o Ministério da Saúde enviou equipamentos errados ao Estado, o primeiro a colapsar na pandemia. De acordo com ele, ainda na gestão do ex-ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta, o Amazonas requisitou respiradores ao Governo federal, que enviou cerca de 80 equipamentos, sendo que cerca de dez deles eram de uso veterinário. “Foi feita a devolução”, afirmou Campêlo.
Embora tenha tentado preservar a gestão Bolsonaro, Campêlo contrariou o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na mesma CPI. De acordo com Campêlo, Pazuello foi informado sobre o colapso do oxigênio no Amazonas na noite do dia 7 de janeiro, por meio de um ofício da própria fornecedora de oxigênio, a White Martins. O ex-ministro havia informado na CPI que só soube da escassez do oxigênio no dia 10. Ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-ministro disse que havia sido informado no dia 8 de janeiro. Mais tarde, Campêlo disse que que o e-mail enviado no dia 07 de janeiro era sobre problemas com a logística na entrega de tubos de oxigênio pela empresa White Martins. O ex-secretário chegou a dizer que a crise do oxigênio em Manaus, que contribuiu para a morte de dezenas de pessoas, havia ocorrido durante os dias 14 e 15 de janeiro. Depois, no entanto, acabou reconhecendo que a falta do produto durou mais de 20 dias.
Ainda assim, o Ministério da Saúde não deu prioridade ao problema, que levou o Estado ao colapso pela segunda vez. Campêlo confirmou que no dia 11 de janeiro pela manhã houve uma reunião para discutir com a White Martins e o Ministério da Saúde a necessidade de apoio logístico para transporte de oxigênio. Porém, horas depois, a médica Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, participou de um evento em Manaus para o lançamento do TratCov, um aplicativo disponibilizado pela pasta com indicações sobre o ineficaz tratamento precoce até para bebês e animais domésticos. O aplicativo saiu do ar no final de janeiro. Mayra, em sue comparecimento à CPI, confirmou ter insistido no tratamento precoce em Manaus.
Ausência de governador e Witzel
Campêlo, que chegou a ser preso pela Operação Sangria, que investiga fraudes em contratações para favorecer grupos de empresários locais durante a pandemia, disse que a falta de oxigênio em Manaus já era prevista. De acordo com ele, em julho de 2020, ou seja, seis meses antes do auge da crise, a White Martins solicitou um aditivo de 25% no contrato com o Estado em virtude da projeção da média de consumo mensal de oxigênio.
Campêlo também afirmou que a empresa alertou o Governo estadual sobre a possibilidade do desabastecimento de oxigênio no Estado, informação prontamente refutada pela Secretaria de Estado de Saúde (SES-AM) na tarde desta terça-feira. Em nota oficial, a SES-AM assegura que as solicitações da White Martins faziam referência tão somente ao aumento no valor do contrato e não da quantidade de oxigênio que seria fornecida ao Amazonas.
Questionado sobre pressões do Governo federal para a suspensão do confinamento decretado no Estado no final de dezembro de 2020, Campêlo afirmou desconhecer qualquer intervenção do Planalto. O ex-secretário creditou a protestos populares violentos a reabertura das atividades em Manaus, no início do ano.
O ex-secretário também endossou a tese sobre a liberdade de sua equipe na condução da crise sanitária. “Trabalhávamos com a liberdade necessária para agir e propor e quando havia algo fora de nossa alçada havia um comitê de crise.” Comitê cujos membros o depoente disse não saber apontar. Campêlo garantiu estar de consciência tranquila com relação à gestão da crise sanitária em seu estado e atribuiu o colapso sanitário à grande contaminação, à variante P1 e à intensa circulação de pessoas. “Tenho a consciência de que fizemos tudo o que estava em nosso alcance para enfrentar uma crise sem precedentes”, afirmou.
As respostas evasivas do ex-secretário também tolheram a paciência dos senadores. Não foram poucas as vezes que Campêlo não soube informar ou precisar dados fundamentais de sua gestão na pasta. “A sua presença [de Marcellus Campêlo] aqui não fluiu. O senhor veio aqui explicar o inexplicável”, disse o presidente da CPI, o senador Omar Aziz ao final da sessão.
Além das respostas cheias de lacunas, houve outra constante no depoimento desta terça: a aparente calma do ex-secretário, que por vezes desconcertou os parlamentares que o questionavam. A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) chegou a expressar seu incômodo ante à falta de reações de Campêlo. “O Secretário [Marcellus Campêlo] é o depoente mais calmo que esteve nesta CPI, não sei se o senhor toma um floralzinho, ou se é frieza, porque eu não consigo ficar tão calma diante da situação. É revoltante”, disse.
O depoimento do ex-secretário foi, em si, um momento de menor voltagem na CPI da Pandemia. A comissão esperava ouvir o governador amazonense Wilson Lima (PSC) na quinta-feira da semana passada, mas uma decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, o liberou. Nesta terça, o ex-governador do Rio, Wilson Witzel, recebeu, dessa vez do ministro Kássio Nunes Marques, o direito de não ir à CPI. O ex-governador fluminense, no entanto, já anunciou que vai, ávido por um palco para se defender depois de sofrer um impeachment no ano passado.
Conteúdo El País
Foto: Divulgação