O desmatamento, mudanças climáticas e incêndios ameaçam colocar a Amazônia num caminho de uma “transformação ecológica em larga escala”, com um impacto para todo o planeta. O alerta faz parte dos documentos internos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e que, a partir de segunda-feira, inicia a publicação de uma nova série de documentos e estudos na esperança de apontar para caminhos para evitar uma crise ambiental inédita.
Os documentos estão sendo negociados e, a partir da semana que vem, os diferentes grupos de trabalho apresentarão suas conclusões. Alguns dos trechos serão apresentados apenas no início de 2022.
Mas as versões preliminares dos documentos confidenciais, obtidas pelo UOL, revelam que haverá uma pressão cada vez maior sobre o Brasil, diante do risco que existe para um dos biomas mais importantes: a floresta tropical.
“A floresta amazônica como um repositório de biodiversidade, está ameaçada pela relação entre as mudanças no uso da terra e as mudanças climáticas, que poderia levar a uma transformação ecológica em larga escala e a mudanças biológicas a partir de um floresta úmida em floresta seca e pastagens, reduzindo a produtividade e o armazenamento de carbono”, alerta o informe, em sua versão original.
O documento, segundo negociadores, dará força para que governos, ativistas, ambientalistas e indígenas pressionem a gestão de Jair Bolsonaro a agir para reduzir o desmatamento. Nos bastidores da diplomacia, o informe ainda será usado como uma espécie de confirmação de que a proteção da floresta precisa ser uma prioridade e irá pautar a inserção do Brasil no mundo por anos.
O IPCC foi um divisor de águas no debate climático quando, há pouco mais de dez anos, iniciou a publicação de informes que pautaram o debate internacional. Em 2007, o grupo recebeu o prêmio Nobel da Paz e, conforme a coluna revelou, agora constata que existe uma relação entre a atividade humana e a transformação climática.
Para os cientistas que participam da elaboração do documento, a Amazônia é um dos exemplos de situações que estão sendo levadas a um “ponto de ruptura”.
“Eventos extremos mais frequentes e intensos, adicionais às tendências climáticas progressivas, estão empurrando mais ecossistemas para pontos de ruptura além dos quais mudanças abruptas ou transições para um estado degradado ou totalmente diferente podem ocorrer”, alertam.
“Os efeitos combinados e interativos entre mudança climática, desmatamento e incêndios florestais são projetados para levar a mais de 60% de redução de área coberta até 2050”, diz.
Mas o informe não é apenas alarmista e indica caminhos para superar a crise. O principal deles: a preservação.
“Há evidências crescentes de que a proteção de ecossistemas naturais intactos existentes e a restauração de ecossistemas degradados e semi-naturais, como florestas, pântanos ou zonas úmidas, mantém e reconstrói a resiliência e é uma chave de adaptação e mitigação eficazes, e da conservação da biodiversidade”, afirmou.
Outra recomendação é a de buscar, justamente entre os indígenas, conhecimentos sobre como administrar essa transformação, além da própria ciência.
“Conhecimento indígena e o conhecimento local podem fornecer estratégias cruciais de adaptação para alimentos, fibras, ecossistemas florestais e manejados em risco devido à mudança climática”, sugere. “Povos Indígenas desenvolveram sofisticados conhecimentos de adaptação baseados em ecossistemas a partir da vida em florestas tropicais. Eles podem desempenhar um papel fundamental em apoio ao provisionamento e serviços culturais ecossistêmicos nesses ambientes utilizando abordagens tais como criação participativa, monitoramento participativo ou adaptação baseada na comunidade”, constata.
Evitar o desmatamento
De acordo com o IPCC, evitar a perda de biodiversidade e deter o desmatamento serão elementos importantes para construir uma “resiliência climática”.
O documento também desmonta a tese de que a preservação representa um investimento elevado. “Os benefícios das intervenções de adaptação muitas vezes compensam os custos. Existem oportunidades para que os países tropicais criem novos mercados potenciais de serviços ambientais para ações climáticas, como o gerenciamento do armazenamento de carbono e refúgios de biodiversidade nas florestas, com os benefícios das intervenções de adaptação superando os custos”, sugere.
Entre as recomendações para a América do Sul, o IPCC sugere expandir as ações de adaptação às mudanças climáticas na agricultura e setores florestais para incluir o manejo do solo e da água, diversificação de culturas, agricultura inteligente do ponto de vista climático, sistemas de alerta, mudança de plantação para evitar o aumento da temperatura e pragas, e melhorias no manejo de pastagens e gado”.
É também recomendada a implementação dos planos nacionais de adaptação para a agricultura e setores florestais. Segundo o IPCC, tais planos mostram avanços institucionais, mas vivem uma “implementação limitada em todos os países, uma vez que as barreiras persistem”.
Conteúdo UOL
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