A saída do ex-juiz Sergio Moro, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, nesta sexta-feira, 24, e suas declarações escancarando uma crise política no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), poderá incorrer em processos de impeachment ao presidente por crime de quebra de decoro. Minutos após o anúncio da renúncia de Moro, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) antecipou que vai entrar com um pedido de impeachment contra o presidente.
De acordo com advogado e cientista político Carlos Santiago, o presidente cometeu o crime de decoro, revelado pelo ex-ministro Sérgio Moro, mas, também, já cometeu outro crime mais grave, de responsabilidade, que é configurado na Lei de Impeachment, quando agiu contra o funcionamento de outros poderes.
“O presidente já agiu contra o funcionamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), participando, inclusive de manifestações de fechamento desses poderes. Então, crime já existe, mas, o impeachment precisa não somente do crime, mas, também precisa de apoio político para acontecer, apoio esse que vem do Congresso Nacional, que tem que ter uma maioria favorável, e também, vem da opinião pública”, disse o especialista.
Para o advogado e professor de direito penal, Lino Chíxaro, a partir do momento que o presidente agiu dessa forma e confessa que o fez, interferindo diretamente no trabalho da Polícia Federal, que é um braço do Judiciário, a sua função no cargo foi violado e, uma ação por quebra de decoro é iminente.
“Me parece que ele ultrapassou a linha de fronteira entre o que o presidente pode ou não pode. Aí o decoro do cargo foi violado. Nesse aspecto, é possível o pedido de impeachment ser analisado pela Câmara dos Deputados”, diz Lino.
O advogado, ressalta, no entanto, que essa decisão caberá, exclusivamente, à Câmara dos Deputados, que deverá avaliar, não só do ponto de vista jurídico os aspectos que norteiam um possível pedido de impeachment, mas sobretudo político. “Tem condições políticas de tocar esse impeachment, que deve se arrastar por uns quatro meses e ser bem doloroso para o país, com uma pandemia do coronavírus, briga nas ruas?”, questiona Lino.
‘Pilar’
Conforme Carlos Santiago, com a saída de Moro, Bolsonaro perde o segundo grande pilar que o fez presidente do Brasil. A crise gerada pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19), na economia liberal prometida por Bolsonato foi apontada por especialista como o primeiro pilar que se perdeu no discurso do presidente do país.
“Bolsonaro construiu seu discurso político em três pilares: o primeiro é voltado para a economia liberal; o segundo, ao combate à corrupção e; outro, direcionado para as famílias tradicionais”, acrescentou.
E, com a demissão de Moro, frisa Santiago, sobra a Bolsonaro o discurso dos chamados “costumes”, aquela que é muito mais forte entre os fragmentos religiosos e da família tradicional.
Saída de Mandetta foi o início da crise
Para o professor e cientista político Helso Ribeiro, a crise entre Bolsonaro e Moro iniciou já com a saída do ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta, na semana passada, quando o ex-juiz usou as redes sociais para comentar sobre a saída do colega.
“Saí o ministro mais popular do governo Bolsonaro, e que ajudou muito o presidente antes das eleições e a dar credibilidade ao governo dele”, explicou o especialista.
‘Pecados’ de ontem e hoje
Lino Chíxaro afirma que a decisão de Moro em se ‘demitir’ do cargo nesta sexta foi digna, inegavelmente, mas, isso não o exime de erros cometidos quando estava na condição de juiz e, também não exime os erros que o presidente Bolsonaro esteja cometendo agora.
“Como advogado e membro da comunidade jurídica, não posso deixar de falar que Moro violou a Constituição quando estava no cargo de juiz porque se aliou aos órgãos de acusação, antecipando situações e indicando caminhos, traindo a Constituição. É uma pena que ele não tenha sofrido qualquer punição à época. Mas estes erros não serão eximidos. Se foram pelos tribunais no decurso do tempo, não os serão pela história. Ele vai ficar com essa questão em aberto na vida dele”, observa Lino.
Henderson Martins e Valéria Costa, para O Poder
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