A reserva de 7,8 bilhões de reais para a compra de 138 milhões de doses de vacinas das farmacêuticas Pfizer e Janssen, lançada no sistema do Tesouro Nacional na segunda-feira, 15, pavimenta a entrada do quarto titular do Ministério da Saúde durante a pandemia. O cardiologista Marcelo Queiroga encontrará também parte dos gastos destinados às vacinas já comprometida com nova campanha publicitária de 38,6 milhões e com despesas das Forças Armadas, inclusive para melhoria das “condições de trabalho e vida da família militar”.
Os contratos para a compra das vacinas foram anunciados na segunda-feira (15) por Pazuello, horas antes de Queiroga ser anunciado para o posto – e mesma data em que foi registrada a reserva de dinheiro para pagar as 100 milhões de doses da Pfizer e os 38 milhões de doses da Janssen, ao custo de 56,3 reais cada uma.
Com esses contratos fechados com as duas multinacionais, Queiroga assume com um saldo de 3,8 bilhões de reais para a compra de novas vacinas e um programa de imunização bastante atrasado – até agora, apenas 10,2 milhões de brasileiros (menos de 5% da população) receberam pelo menos uma dose da vacina; já são 279 mil mortes causadas pela doença e mais de 11,5 milhões de casos confirmados.
O cronograma de entrega das novas vacinas se concentra no segundo semestre e vai até o final de novembro. Ou seja, não há perspectiva de o país concluir tão cedo a imunização dos brasileiros contra o coronavírus.
Os 138 milhões de novas doses contratadas por Pazuello em suas últimas horas no cargo se somam a outros 100 milhões de doses contratadas da vacina chinesa CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, 4 milhões de doses da AstraZeneca já entregues pelo laboratório indiano Serum, 10 milhões de doses da russa Sputnik V, 20 milhões da indiana Covaxin, também encomendadas em fevereiro, e 42,5 milhões de doses previstas em acordo com o consórcio Covax Facility, uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde.
Do contrato assinado em setembro do ano passado com a farmacêutica AstraZeneca para a entrega de 210,4 milhões de doses em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, a previsão é que a entrega do primeiro 1 milhão de doses ocorra até o final desta semana.
No mesmo dia do discurso “chega de mimimi” do presidente Jair Bolsonaro, durante a inauguração de um trecho da ferrovia Norte-Sul em São Simão (GO), a gestão Pazuello reservou 38,6 milhões de reais do dinheiro das vacinas para propaganda. Era 4 de março, data em que o Brasil se aproximou pela primeira vez da marca de 2 mil mortos por dia pela Covid. O compromisso com a propaganda veio antes da compra de novas vacinas.
O Tesouro Nacional registrou os chamados empenhos de gastos que favorecem quatro empresas de publicidade diferentes, com valores entre 7 milhões e 17 milhões cada um. As despesas foram lançadas como gastos com a imunização. A piauí questionou o Ministério da Saúde durante uma semana sobre quais seriam as mensagens das novas campanhas publicitárias, mas não obteve resposta.
Peças de aeronaves também foram compradas com dinheiro destinado à compra de vacinas. Nos primeiros dias de março, o Tesouro Nacional registrou a compra de 3,4 milhões de reais em peças para aeronaves, além de outros suprimentos de aviação, como a compra de pneus. São gastos com a manutenção de aeronaves do Exército, explicou o Ministério da Defesa à piauí:
“Os recursos financeiros recebidos em prol do Plano Nacional de Imunização Covid-19 se destinam à obtenção de horas de voo (HV) para as aeronaves do Exército Brasileiro participantes das missões de apoio ao combate à pandemia.” Nesse mesmo período dos gastos com horas de voo de aeronaves militares, o Tesouro Nacional registrou a contratação pela Defesa de frete de uma aeronave civil para o plano de imunização, por 95 mil reais.
A piauí já havia revelado o repasse de parte do dinheiro das vacinas para bancar gastos militares secretos, com uma operação do Centro de Inteligência do Exército no final de fevereiro, cujo objetivo não foi esclarecido. Agora surgem os gastos registrados com manutenção de veículos e outras pequenas compras de material de proteção e limpeza para as Forças Armadas com o dinheiro das vacinas, todas abaixo de 5 mil reais. O Tesouro Nacional registra que esses gastos têm objetivo estratégico de aprimorar “as condições de trabalho e vida da família militar até 2023”.
A piauí questionou os Ministérios da Defesa e da Saúde sobre quanto os militares receberiam do dinheiro reservado à imunização contra a Covid-19, mas não obteve resposta.
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