Com a saúde do Amazonas em colapso agravada nas últimas semanas por conta da Covid-19, profissionais da área, que atuam na linha de frente, relatam cansaço, sobrecarga de trabalho, falta de equipamentos de proteção individual, crises emocionais e atrasos salariais. Os relatos são de profissionais que atuam nos hospitais e prontos-socorros João Lúcio, na Zona Leste, e no 28 de Agosto, Zona Centro-Sul.
O enfermeiro Carlos da Silva* relatou ao O Poder o caos e os transtornos vividos por todos profissionais da área da saúde que trabalham no Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto. “Nós estamos sobrecarregados. Tem muitos colegas afastados porque testaram positivo para a Covid-19. Isso complica porque os que estão trabalhando precisam atender mais pessoas e muitos pacientes acabam ficando desassistidos”, lamenta.
Segundo o profissional, após o início dessa nova crise na saúde, em alguns plantões, um profissional fica responsável por atender até 15 pacientes. “É exaustivo, é doloroso, é cruel porque nós não conseguimos, mesmo nos esforçando ao máximo, cuidar de todo mundo com excelência e carinho”, revela o enfermeiro.
Ele também relata a falta de EPIs para trabalhar com o mínimo de segurança. Segundo Carlos, muitos profissionais estão comprando ou levando de outros hospitais ou clínicas onde trabalham para o 28 de Agosto.
“A gente não poderia trabalhar sem proteção, por isso, tem colegas que levam e doam para outros colegas. Só para você ter noção da humilhação, a gente precisa implorar no hospital por uma máscara e eles dizem que nunca tem, mas que vão solicitar e nunca chega”, relatou com a voz embargada.
Outro problema são os salários atrasados há mais de três meses. Segundo o enfermeiro, quando recebem são 30% ou 40% dos vencimentos e sempre há falta de informações. “O governo diz que paga, a Segeam diz que não recebeu ou diz que está aguardando liberação da Sefaz. É uma situação insustentável e humilhante”, lamentou.
Além dos problemas no hospital, os profissionais também relatam problemas emocionais por estarem longe da família. “A gente precisa ficar longe para protegê-los. Tem colega que mandou os pais para sítios, tem outros hospedados em hotéis, é muito doloroso”, disse.
Mortes
Sobrecarregados, os profissionais já chegaram a ver pacientes morrer sem atendimento na “Sala Rosa”, área específica para pessoas com suspeita de coronavírus. “Já cheguei lá e tinha pessoas mortas. A gente se sempre horrível porque não conseguiu atender e muitas vezes nem depende de nós”, disse.
Sobrecarga
Diante da falta de profissionais e o amor pela profissão, os profissionais ouvidos pela reportagem, que pediram para não ter seus nomes revelados por medo de represálias, afirmam que chegam a trabalhar 36 horas direto no 28 de Agosto.
“Não tem outra pessoa para cobrir, pedem para a gente ficar e a gente vai ficando. Não tem como abandonar essas pessoas. Não consigo abandonar, é mais forte do que eu”, disse uma enfermeira, que também revelou que o salário está atrasado há três meses.
No HPS João Lúcio, profissionais também relataram medo e caos. Segundo eles, o afastamento de profissionais por conta de contágio e a falta de EPIs prejudica o trabalho e causa temor. “Já teve colega usando saco de plástico de 50 litros como se fosse avental para tentar evitar contágio”, disse uma médica, que implorou para não ser identificada.
O Poder tentou contato com a Segeam (Serviços de Enfermagem e Gestão de Saúde do Amazonas LTDA), empresa responsável pelos enfermeiros que atuam nos hospitais do Estado, mas não obteve sucesso.
Susam desmente denúncias
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde (Susam) negou as afirmações dos profissionais que atuam dentro das unidades e informou que apesar da escassez de EPIs no mercado mundial, o Amazonas vem conseguindo manter “até aqui” o estoque e o abastecimento de todas as unidades de saúde da rede estadual.
A distribuição dos EPIs aos profissionais de saúde ocorre conforme recomendações de uso feitas pela Agência Nacional de Saúde (Anvisa).
“O que tem se observado é que, por medo da contaminação, os profissionais que atuam dentro das unidades têm exigido equipamentos diferentes daqueles definidos para cada ambiente e situação recomendada pela Anvisa. É o caso do macacão e da máscara N95, esta última indicada para uso em procedimentos que produzem aerossóis, mas que é reivindicada por todos, inclusive profissionais para os quais o equipamento indicado é a máscara cirúrgica”, respondeu a Susam, em nota.
A nota diz, ainda, que o abastecimento vem sendo garantido com aquisições pelo Estado e Ministério da Saúde, além de doações e de parcerias, como a que está em curso com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) para a produção de EPIs para a rede estadual de saúde.
Sobre a falta de profissionais, a secretaria disse que devido ao avanço da pandemia de coronavírus no Estado e o aumento rápido do número de casos sobrecarregou os serviços de saúde, os quais estão sendo afetados, também, pelo afastamento de profissionais.
Segundo a pasta, são 983 afastamentos por atestado médico, sendo que a grande maioria se afastou após o registro dos primeiros casos do novo coronavírus no Estado e nem todos por suspeita ou confirmação da doença.
“Para suprir a falta de profissionais, o governo está convocando 517 profissionais de saúde aprovados no concurso do Corpo de Bombeiros e abriu processo seletivo para contratar 704 técnicos de enfermagem. O Estado está pedindo reforços do Governo Federal que enviou, na última semana, 16 voluntários do programa Brasil Conta Comigo e ficou de mandar mais reforços, tendo em vista que o desafio também é a falta de profissionais especialistas no Amazonas na quantidade exigida, em razão da sobrecarga de demanda.”
‘Salários em dia’
Segundo a nota, o governo do Amazonas paga o salário de seus servidores rigorosamente em dia, incluindo médicos, e, diz desconhecer a informação sobre evasão por falta de pagamentos.
“Aqueles profissionais que prestam serviços por meio de empresas ou cooperativas contratadas pelo Estado recebem pró-labore destas empresas, e não salário, uma vez que são sócios ou cooperados. Em relação ao pagamento das empresas, a atual gestão tem pago pelo menos uma competência mensal para cada uma. A escassez de profissionais de medicina é uma realidade no mundo e não exclusividade do Amazonas”, finaliza a nota.
*A pedido, usamos nomes fictícios para preservar as fontes
Álik Menezes, para O Poder
Foto: Divulgação