O processo que aponta a suspeita de ilegalidade em decisões de juízes no Amazonas em favor de implicados na Operação Maus Caminhos – deflagrada em sua 1ª fase em setembro de 2016, pela Polícia Federal (PF), que investiga o desvio milionário da Saúde do Estado – volta a entrar na pauta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta quarta-feira, 29. O processo foi retirado de pauta no último dia 21.
A reclamação disciplinar foi formulada pelo procurador da República Alexandre Jabur e outros membros do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF), em desfavor do juiz federal Ricardo Augusto de Sales, Titular da 3ª Vara Cível da Justiça Federal do Amazonas, e do juiz federal substituto, Wendelson Pereira Pessoa, da 5ª Vara de Execução Fiscal, seção Judiciária do Amazonas, em atuações no plantão judicial de dezembro de 2017.
Na ação, os membros do MPF requerem, em síntese, a instauração de processo administrativo disciplinar contra os magistrados, sob a alegação de prática de supostas ilegalidades em processos de interesse da “Operação Maus Caminhos”.
Inicialmente, o CNJ indeferiu o pedido de liminar, mas, o MPF apresentou recursos contra a decisão de indeferimento.
Após os juízes Ricardo Sales e Wendelson Pereira apresentarem informações do processo a respeito dos argumentos apontados pelo MPF, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) requereu ingresso no feito na condição de interessada. “Sustenta que o caso dos autos retrata mero inconformismo em relação a ato de natureza jurisdicional, sujeito a recurso na instância superior, e que os fatos já foram apreciados pelo TRF – 1ª Região. Pediu o arquivamento sumário do feito”, diz o texto.
No relatório do CNJ, quanto ao recurso administrativo interposto contra a decisão que indeferiu a liminar, a corte informou que “O Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça somente prevê a interposição de recurso contra decisão monocrática que concede liminar, não havendo previsão para recurso da decisão que a denega, como ocorre na presente hipótese”.
Conforme o CNJ, analisando as informações prestadas pelo juiz Ricardo Augusto de Sales, verificou-se que não houve qualquer manifestação do representado quanto à alegação de suspeição levantada com base no depoimento de José Ricardo Vieira Trindade, ex-defensor público-geral da Defensoria Pública do Estado do Amazonas, prestado perante a Procuradoria da República do Amazonas, no qual é indicada uma relação estreita entre o referido juiz federal e o ex-governador (José Melo), nos termos dos itens 120 e 121 da peça inicial, apresentada textualmente da seguinte forma:
“Quanto à suspeição, o depoimento de José Ricardo Vieira Trindade, prestado espontaneamente nesta Procuradoria da República, indica uma relação especialmente estreita entre o juiz federal Ricardo Sales e o ex-governador”:
“120. Que, em 2013, foi realizado concurso público para Defensores e foram chamados 60 aprovados; Que, em 2014, quando estava em andamento um processo de cassação, perante o TRE/AM, contra o ex-Governador José Melo, chegou um requerimento da lavra do Juiz Federal Ricardo Sales solicitando a cessão de uma das aprovadas no concurso, a qual era egressa da Justiça Federal; Que a cessão seria para a Defensora recém-empossada assessorar o Juiz Federal Ricardo Sales no exercício de sua função perante o TRE/AM; Que tal requerimento foi negado, pelo fato de a Defensora estar em estágio probatório e haver necessidade de a Defensoria estar presente no interior; Que, diante da negativa, o próprio Juiz Federal Ricardo Sales o procurou, ocasião em que foram explicadas as razões; Que, para sua surpresa, cerca de dois a três dias depois, recebeu uma ligação da Sede do Governo, mais especificamente, da Casa Civil, dirigida pelo ex-Secretário Raul Zaidan, solicitando o comparecimento a uma reunião na Sede do Governo; Que, ao se dirigir para a reunião, o ex-Secretário Raul Zaidan disse que o Juiz Federal tinha um pleito perante a Defensoria e que o Governo do Amazonas gostaria que fosse atendido, haja vista que o Governador estava precisando de votos no TRE/AM, pois estava em andamento o processo de cassação de José Melo, e o Juiz Federal Ricardo Sales compunha o Colegiado; Que se alarmou com a solicitação, tendo em vista implicações éticas, afinal o Juiz Federal teria feito um pedido ao Governador que seria julgado por ele mesmo; Que se indagou sobre se a “moeda de troca” seria apenas a cessão de uma Defensora ou se haveria algo a mais; Que, considerando que a Defensoria Pública lutava pelo aumento do seu orçamento e dependia do aval do Governador para obter esse intento, ponderou que, diante das circunstâncias, se não atendesse o pedido de cessão da Defensora, toda a Defensoria seria penalizada; Que, compartilhada a preocupação com seus pares, Conselheiros da Defensoria, resolveram que o melhor para a Instituição seria ceder; Que, a partir de então, passou a acompanhar as deliberações do TRE/AM sobre os casos que envolviam Jose Melo; Que todos os votos que teve conhecimento da lavra do Juiz Federal Ricardo Sales foram favoráveis ao ex-Governador; Que, ao acompanhar o noticiário concernente à prisão do ex-Governador e os atos praticados pelo Juiz Federal Ricardo Sales na condução da audiência de custódia, lembrou do caso e resolveu comparecer ao Ministério Público para depor”. (grifou-se.)
O processo traz como destaque parte do depoimento prestado como um fato objetivamente narrado de relevância pelo ex-defensor público-geral, José Ricardo Vieira: “o juiz federal Ricardo Augusto de Sales, inconformado com a negativa do então defensor-público-geral em ceder uma Defensora recém-aprovada em concurso público para auxiliá-lo no TRE, socorreu-se do então governador e de um dos seus ex-secretários de Estado mais próximos, Raul Armonia Zaidan, Chefe da Casa Civil – codenunciado na segunda fase da Operação Maus Caminhos (Operação Custo Político), junto com o ex-governador – para pressionar a Defensoria a atender seu pleito, a despeito de ser um dos responsáveis pelo julgamento do processo de cassação de José Melo de Oliveira”.
Suspeitas
Foi informado no processo, ainda, acerca de inúmeras infringências a dispositivos legais e ao Código de Ética da Magistratura por parte principalmente do magistrado Ricardo Sales, apontando as supostas irregularidades em relação a cada processo e cada reclamado, sendo elas:
“Processo N.º 16104-12.2017.4.01.3200 26. Na data da deflagração da Operação Custo Político, em 13 de dezembro de 2017, Pedro Elias de Souza, ex-Secretário de Estado da Saúde do Amazonas, encontrava-se em São Paulo, razão que levou ao cumprimento do mandado de prisão naquela cidade. Com efeito, a sua custódia deu-se na Penitenciária Dr. José Augusto César Salgado, em Tremembé/SP. Sendo assim, a sua defesa formulou pedido, perante a 4ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas, de transferência para Manaus, com o que o Parquet não se opôs e restou deferido (fls. 21). 28. Contudo, antes do cumprimento da determinação, sobreveio novo parecer ministerial (fls. 27), que opinou pela suspensão da transferência e permanência do preso em São Paulo, haja vista as já citadas informações da SEAP (Secretaria de Administração Penitenciária) acerca da instabilidade no sistema prisional estadual”.
Conforme o processo, ao assumir o plantão dia 26 de dezembro, portanto, quatro dias após o requerimento, o Juiz Ricardo Augusto de Sales, ignorando o decidido pela Juíza natural do feito no processo n.º 12254-47.2017.4.01.3200, quanto à ausência de risco iminente à integridade e à vida dos presos, “deferiu (fls. 42) de ofício a prisão domiciliar de Pedro Elias de Souza, fazendo remissão às razões de decidir contidas na decisão prolatada no processo n.º 16076-44.2017.4.01.3200”.
Ainda conforme informações constantes no processo, no dia 26 de dezembro, o Juiz Federal Ricardo Sales, ao assumir o plantão judiciário, sem esperar que os demais presos apresentassem defesa, tampouco invocar qualquer razão de urgência na apreciação do pleito ou outra hipótese prevista na Resolução no CNJ 71/09, prolatou decisão e converteu a prisão preventiva em domiciliar de Afonso Lobo Moraes, Wilson Duarte Alecrim e Pedro Elias de Souza (implicados na Maus Caminhos).
“Nesse passo afirma-se ainda que o magistrado Ricardo Sales teria desconsiderado prerrogativas do Ministério Público, quanto à intimação pessoal do órgão; libertou o preso provisório José Melo, a despeito de ter tido a prisão temporária prorrogada um dia antes e usando dos mesmos fatos e argumentos que foram previamente apreciados e rechaçados pelo juiz natural do processo; libertou os custodiados Wilson Duarte Alecrim, Pedro Elias de Souza e Afonso Lobo Moraes, presos antes do recesso, sem prévia manifestação do órgão; libertou Pedro Elias de Souza e Afonso Lobo Moraes, sem prévia oitiva do órgão e sem que houvesse pedido nesse sentido nos autos do incidente de transferência de presos para presídio federal, cujo processo encontrava-se em carga para o MPF. Afirmam que o pedido de transferência já havia sido autorizado pela Juíza natural, havendo pendência apenas em relação ao processo 16076-44.2017.4.01.3200, que dependia de decisão; libertou o custodiado Wilson Duarte Alecrim, preso preventivamente em 13 de dezembro de 2017, mesmo estando os autos em mãos do MPF para manifestação sobre o pedido de revogação da prisão preventiva”, destacou o Ministério Público Federal na ação.
Apontamentos ao juiz Wendelson Pereira
Segundo ação o MPF, no dia 21 de dezembro de 2017, Antônio Evandro Melo de Oliveira apresentou novo pedido de revogação da ordem de prisão preventiva, processo posteriormente autuado sob o n.º 22-66.2018.4.01.3200, aduzindo considerações genéricas sobre o cabimento da prisão preventiva e também que seria responsável pelos cuidados de sua esposa, acometida de doença grave.
Após a apresentação de parecer pelo indeferimento do pedido de liberdade do órgão ministerial, o Juiz plantonista Wendelson Pereira Pessoa, ora representado, deferiu de ofício a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar.
Segundo o Ministério Público Federal, no exercício do plantão judiciário do final do ano de 2017 (23 de dezembro de 2017), o magistrado Wendelson teria violado o princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LII, CF) e infringido ainda os deveres do magistrado (art. 35, I, LOMAN) e o Código de Ética da Magistratura (art. 4º) ao deferir a conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar a Antônio Evandro Melo de Oliveira, uma vez que tal questão já havia sido objeto de decisão pelo juízo natural.
Defesas
O juiz Wendelson Pessoa apresentou as informações onde nega a prática de qualquer irregularidade. Afirma ter atuado no Plantão Judiciário com base no regulamento em vigor, que permite a apreciação dos pedidos de concessão de liberdade provisória; que não foi informado da negativa prévia do pedido de conversão de prisão preventiva em prisão domiciliar em data anterior ao plantão, inclusive pelo MPF; que o argumento trazido no plantão não tinha sido apresentado pelo preso; que sua Corregedoria arquivou o expediente instaurado contra ele, por concluir que inexistiu falta funcional.
Já o juiz Ricardo Sales também apresentou informações, ressaltando que: “Os incidentes processuais foram apresentados durante o período de plantão diante da deflagração de operação policial dias antes do recesso judiciário; que as decisões foram confirmadas pelo tribunal e foram proferidas segundo as normas procedimentais; que não foram proferidas as decisões imputadas ao representado no processo nº 16076-44.2017.4.01.3200; que o MPF requereu à juíza plantonista a reconsideração da decisão exarada pelo plantonista anterior, o que contraria a sua própria tese veiculada na inicial; que não havia notícia nos autos da existência de decisões anteriores em sentido contrário; que quanto ao processo nº 12254-47.2017.4.01.3200 o requerido não proferiu decisão sobre conversão de prisões cautelares, sendo proferidas pelo Juiz federal Wendelson Pereira Pessoa e que apreciou, tão somente, os embargos de declaração apresentados pelo MPF, mantendo as decisões prolatadas anteriormente”.
Henderson Martins, para O Poder
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