novembro 25, 2024 17:56

Pandemia está criando a geração que viverá sem contato com o mundo exterior, diz filósofo italiano

O filósofo italiano Franco Berardi há muitos anos se ocupa em imaginar o próximo caminho que o mundo vai tomar. “Bifo”, como é conhecido, se destacou pelos ensaios em que desfaz uma imagem idealizada do futuro – em que as pessoas trabalhariam poucas horas por semana, a pobreza se reduziria ao mínimo e doenças seriam derrotáveis pelo avanço do conhecimento.

O lançamento em 2019 da edição brasileira de “Depois do futuro”, um livro concebido originalmente dez anos antes, mostrou que muitas das previsões pessimistas de Berardi conferiam com a realidade. Ele já expressava preocupação com a deterioração em massa da saúde mental, o aumento da precarização do trabalho e falta de conexão e empatia entre as pessoas.

Pouco depois, a chegada do coronavírus e o forte abalo que provocou na Itália no primeiro semestre deste ano levaram o intelectual a publicar on-line um diário com suas observações e também suas experiências pessoais com as mudanças trazidas pela pandemia.

“Não vamos esquecer tão rápido disso. Estamos numa zona de transição que vai mudar nosso estilo de vida para sempre e também a nossa imaginação. O vírus agiu como um apocalipse. Uma revelação sobre as várias tendências catastróficas que estão se desenvolvendo por décadas, mas que não conseguimos deter ou reverter”, afirma Berardi em entrevista por e-mail ao G1

“Primeiro a catástrofe ambiental, que é irreversível, mesmo que tentemos desesperadamente esquecer ou negar. Depois vem a estagnação da economia, que torna impossível um relançamento da demanda e consequentemente torna impossível uma recuperação, uma volta do crescimento econômico. E por último, mas não menos importante, o caos psíquico que impede uma ação em conjunto da sociedade de forma consistente”, complementa.

O “novo normal” reforçou um conceito que o filósofo italiano explorou bem em ensaios anteriores: o hikikomori, fenômeno que ocorre de forma significativa no Japão há alguns anos. São mais e mais pessoas que deverão sair muito raramente de casa, tornando o contato com o mundo exterior o menor possível.

“A pandemia ‘hikikomorizou’ a maioria da humanidade, particularmente os da última geração. Essa ideia de autossuficiência, de viver sem os outros, não é uma mudança provisória. É um trauma que terá um efeito por muitos anos, uma mutação no espaço individual, na percepção do corpo do outro e no inconsciente”, diz.

O intelectual de esquerda, que completa 71 anos nesta segunda (2), veterano de Maio de 1968, teme que a humanidade entre numa espécie de autismo: inabilidade ou pura recusa em prestar atenção à emoção do outro, do próximo.

“Politicamente falando isso seria uma grande catástrofe, o fim da solidariedade social, uma indiferença geral tanto às dores quanto aos prazeres do outro. O fim da humanidade, em certo sentido.”

Para Berardi, a segunda onda do coronavírus que atinge os países está levando a frustração e impotência que, por sua vez, “fomentam o fascismo depressivo de hoje em dia”.

“Você lembra de ‘A peste’ de Albert Camus? Na primeira fase da epidemia há um tipo de sentimento eufórico, uma excitação ‘dark’ que mantém todos juntos apesar do distanciamento e do medo. Todo mundo está esperando um retorno rápido aos prazeres da vida normal e encontrar as pessoas sem medo. Mas o tempo vai passando nessa  segunda onda, as expectativas são frustradas e as pessoas ficam mais e mais nervosas ou deprimidas. Isso é combustível para revolta, agressividade e fascismo. Paradoxalmente, os fascistas estão agora pedindo liberdade.”

Berardi está publicando no Brasil o livro “Extremo – crônicas da psicodeflação” (o nome faz referência ao murchar do bem-estar mental da humanidade) que junta as informalidades de seu diário pandêmico (ele se revela fã da série “La casa de papel”) a alguns ensaios sobre o futuro que está se desenhando.

Os posts do diário datam de poucos meses atrás e mostram como a nossa percepção do tempo foi afetada em 2020, com a rápida evolução das notícias relacionadas ao coronavírus e outras agitações sociais.

“A ficção científica está acabada. Nós vivemos dentro da distopia de Philip K. Dick [autor do livro que deu origem ao filme ‘Blade Runner’] e de J.G. Ballard [que imaginou a vida humana após o derretimento das calotas polares no livro ‘O mundo submerso’]”, diz.

Durante as respostas, a visão pessimista é freada com advertências sobre a dificuldade de fazer previsões no momento – o cenário está mudando rápido demais. Mas Berardi aposta num tudo ou nada, em que o fim da humanidade pode ser trocado por um modo de vida mais lento e tranquilo, mas talvez ao custo de reduzir a produção de riquezas no mundo.

“Eu acho que nós precisamos atravessar por esse inferno e tentar sobreviver à tempestade e, acho, ao final deste túnel nós vamos encontrar duas possibilidades: extinção é a mais provável. Igualdade, frugalidade e aproveitar com calma o nosso tempo é a outra.”

Conteúdo: G1

Foto: Yara Nard/ Reuters

 

 

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