Após mais de um mês de trabalhos e com uma quantidade de documentos recebidos em crescente expansão, a CPI da Covid segue sem um delegado ou perito da PF (Polícia Federal) para ajudar nas investigações em curso por receio da oposição de haver traições, segundo parlamentares ouvidos pelo UOL.
Senadores e assessores, sob reserva, para não se indisporem com a corporação, relatam haver um clima de desconfiança.
Segundo um integrante da oposição ao governo na Comissão Parlamentar de Inquérito, o medo é que a direção da PF indique “um espião” para se infiltrar nos trabalhos. Por outro lado, ele afirma que é difícil conseguir que algum delegado da corporação se disponha, voluntariamente, a ir ajudar a CPI, por medo de retaliações de superiores.
Outro senador oposicionista confirmou haver o temor de o eventual delegado obter informações enviadas à CPI com mais rapidez, repassando-as a aliados do governo, e monitorar a movimentação dos adversários do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Ele, porém, disse considerar que a suspeita não é fundada nem muito concreta, acrescentando que é mais saudável trabalhar somente com documentos oficiais da PF.
O UOL procurou a assessoria de imprensa da PF e aguarda retorno.
Um delegado da PF ouvido pela reportagem considera que o receio dos parlamentares não tem sustentação e defende que o trabalho da corporação é meramente técnico. Inclusive, lembra que a PF indiciou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), dias atrás. Ele enxerga a resistência da oposição mais como uma escolha política do grupo.
A reportagem apurou que os peritos criminais federais se colocaram à disposição para que a categoria ajude na comissão. Mas não houve um retorno concreto e nenhum perito foi chamado até agora.
Um representante da categoria afirma que a colaboração de peritos e delegados federais em CPIs é uma prática comum, e acrescenta que a perícia se baseia em elementos científicos com relatórios, não opiniões.
Requerimento de auxílio para governistas
No fim de maio, o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) apresentou requerimento em que pede a disponibilização de delegados da PF, mas para auxiliar o grupo de aliados de Bolsonaro na CPI. Ou seja, não toda a comissão.
Além dele mesmo, seriam beneficiados os senadores Bezerra Coelho, Luis Carlos Heinze (PP-RS), Ciro Nogueira (PP-PI), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).
O pedido é rejeitado nos bastidores pela maioria dos demais membros da CPI, composta por senadores oposicionistas e independentes, e foi deixado em banho-maria, sem ser apreciado até hoje.
Um delegado da PF relatou que o pedido de ajuda citando senadores específicos não é usual em CPIs e que o ideal é que a pessoa requisitada colabore com a comissão como um todo.
Auxílio do TCU
No momento, a CPI conta com a ajuda de duas auditoras do TCU (Tribunal de Contas da União) para auxiliar os trabalhos. O pedido de liberação das funcionárias foi apresentado pelo próprio presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), no início de maio, e logo aprovado pelos senadores, além de aceito pelo TCU.
Relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) chegou a levantar a hipótese de requisitar um delegado de outra polícia, que não a PF.
“Precisamos formatar a investigação, do ponto de vista processual, registrar todos os pedidos, todas as respostas, contabilizar as respostas que não chegaram, reiterá-las publicamente, e fazer um formato. E, para isso, é muito importante que tenhamos a experiência de um delegado, que pode ser da Polícia Federal ou de qualquer outra polícia, desde que tenha formação adequada para colaborar na investigação”, disse.
No entanto, nenhuma medida efetiva nesse sentido foi tomada.
Ao sair do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro afirmou que o presidente Bolsonaro tentou interferir na PF, ligada à pasta, por meio de pedidos de troca de cargos-chave na corporação e acesso a relatórios, por exemplo. O STF (Supremo Tribunal Federal) abriu inquérito para apurar as acusações do ex-ministro.
Conteúdo UOL
Foto: Senado