Os ex-secretários de Saúde Marcelo Lopes, Francisco Monteiro Neto e Olivan Júnior devem ser convocados para depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia. Além dos três, que foram titulares da pasta na gestão de Antonio Denarium (sem partido), o atual, Airton Antônio Soligo, conhecido como Airton Cascavel, está na lista dos que vão prestar esclarecimentos aos senadores. Ainda não há datas definidas.
O requerimento foi protocolado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Até o momento, Denarium teve oito secretários de Saúde. O mais recente a ser nomeado foi Cascavel, que substituiu Marcelo Lopes, único a ficar por mais tempo à frente da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau), de junho de 2020 a maio deste ano.
De acordo com Vieira, os ex-secretários devem ser convocados “para que seja esclarecida a atuação deles durante a gestão da pandemia, especialmente sobre o uso de recursos públicos federais destinados ao combate da Covid-19, prestando informações e investigações no Estado”.
Até então, o único ligado a Denarium a estar na lista de possíveis convocados pela CPI era Airton Cascavel, mas não por ser o atual secretário de Saúde, e sim pelo fato de ter sido um dos homens fortes do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Conhecido por ter grande influência entre políticos e empresários, Cascavel era tido por muitos como o “ministro de fato”. Sua convocação foi aprovada ainda em maio.
Segundo senadores da CPI, ele fazia parte de uma equipe de “assessoramento paralelo” de Jair Bolsonaro no combate à pandemia, uma espécie de gabinete extraoficial que contava com médicos, empresários e integrantes do governo que seguem a mesma agenda do presidente ao defenderem o uso de remédios de eficácia não comprovada para o combate à Covid e serem contrários às medidas de prevenção e restritivas.
Fraude e afastamento de secretário
Antonio Denarium também está na relação de convocados. Com depoimento marcado para 7 de julho, o governador de Roraima ainda não confirmou se irá à CPI da Pandemia. Na semana passada, outros seis governadores também tiveram as datas confirmadas para serem ouvidos pelos parlamentares.
As explicações de Denarium devem ser referentes aos supostos desvios de R$ 20 milhões de recursos que deveriam ser usados na aquisição de insumos e material para o combate à doença, conforme apuração da Controladoria-Geral da União (CGU) e Polícia Federal (PF), que deflagrou, em outubro de 2020, uma operação que ficou conhecida como Desvid-19. Um dos alvos foi o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado, na ocasião, com mais de R$ 30 mil na cueca.
Apesar de não aderir formalmente à ação movida por 18 governadores que acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para não serem chamados a depor na CPI, Denarium não confirmou se pretende seguir o mesmo caminho dos colegas, mas disse “receber com tranquilidade qualquer tipo de chamamento para esclarecer as dúvidas que se façam necessárias, em especial às relacionadas à área de saúde”.
Em 2020, foram identificadas irregularidades no processo milionário de compra de 30 respiradores que iriam ajudar no combate à Covid-19. Cada equipamento pode ter custado aos cofres públicos mais de R$ 200 mil, quatro vezes mais do que o valor de mercado.
O contrato de mais de R$ 6 milhões teria sido pago antecipadamente. Porém, os aparelhos ainda levariam 60 dias para serem entregues. Devido ao escândalo, o então secretário de Saúde, Francisco Monteiro Neto, foi exonerado logo em seguida.
Monteiro foi substituído por Olivan Júnior que, até então, era secretário de Segurança Pública. Vinte e cinco dias após assumir a pasta, pediu exoneração alegando questões pessoais. Antes de sair, ele havia encaminhado um ofício ao governador sugerindo uma intervenção federal na Saúde devido a indícios de corrupção e falhas na administração da pasta.
Segundo ele, contas pendentes e contratos irregulares atrapalhavam o cumprimento de obrigações financeiras, e havia ainda um desabastecimento de medicamentos que inviabilizava o combate à Covid, além da falta de equipamentos que deveriam ser usados para salvar vidas.
Cascavel, ‘ministro de fato’
O requerimento para convocar Airton Cascavel, ex-assessor especial no Ministério da Saúde, foi feito em maio. De acordo com o documento, ele deve prestar esclarecimentos sobre as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para pacientes internados.
Como assessor especial do ex-ministro Eduardo Pazuello, Cascavel esteve em Manaus em janeiro deste ano, quando a capital do Amazonas colapsou com a falta de oxigênio, o que levou a um aumento considerável no número de mortes de pacientes por Covid. Conforme o requerimento da CPI, ele foi à cidade “para tratar da situação crítica enfrentada pelo estado em decorrência da pandemia”.
Em 25 de janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski determinou abertura de inquérito policial para apurar eventual conduta criminosa do ministro da Saúde em relação ao colapso da saúde pública em Manaus.
O ex-ministro comandou a pasta até março deste ano. A nomeação de Cascavel ocorreu em junho de 2020, quando Eduardo Pazuello ainda ocupava interinamente o ministério. A interinidade do general da ativa durou quatro meses.
Segundo várias reportagens, Airton Cascavel era o “ministro de fato” e quem resolvia muitas das questões burocráticas e logísticas da Saúde.
Eles já sabiam?
Em maio de 2020, ou seja, oito meses antes da falta de oxigênio em Manaus, Pazuello e Cascavel já sabiam do “cenário extremamente crítico” na capital do Amazonas, conforme reportagem da agência de jornalismo investigativo “Sportlight” publicada em janeiro deste ano.
Conforme a matéria, “documento de maio [de 2020] do Ministério da Saúde fala em ‘situação crítica enfrentada pelo Amazonas em decorrência da pandemia de Covid.
Ainda segundo o site, Cascavel aparece na tabela de despesas do ministério com viagem marcada para Manaus entre os dias 3 e 5 de maio “para acompanhar o secretário-executivo em reunião com o governador, secretária estadual e equipe sobre a situação crítica enfrentada pelo estado do Amazonas em decorrência da Covid-19”.
Quando a viagem, que acabou não ocorrendo, foi marcada, Airton Cascavel ainda não havia sido nomeado assessor especial de Pazuello, o que só aconteceu mais de um mês depois.
Citados
Procurados pela reportagem, Francisco Monteiro, Olivan Júnior e Airton Cascavel não se pronunciaram. O ex-secretário Marcelo Lopes disse a O Poder que ainda não recebeu nenhum documento referente à convocação para depor na CPI.
“Não recebi. Caso o ofício seja aprovado e eu, convocado, irei tranquilamente e responderei o que quiserem saber do período em que fui secretário”, garantiu.
Érico Veríssimo, para O Poder
Foto: Montagem (Ascom Sesau/SupCom ALE-RR)