As principais mudanças nas regras para as eleições de 2022, aprovadas pelo Senado no ano passado, visam aprimorar a representação popular no Parlamento, reduzindo a fragmentação partidária e aumentando a diversidade racial e de gênero dos eleitos. O pleito servirá como teste da eficácia desse esforço, mostrando se serão necessárias outras alterações para as eleições seguintes.
Algumas das maiores novidades para este ano são a elevação da “cláusula de desempenho” (o mínimo de votos necessário para se ter acesso ao fundo partidário e ao horário gratuito de rádio e televisão); e o incentivo a candidaturas femininas ou de pessoas negras (incluído na Emenda Constitucional 111, dando peso maior aos votos nessas candidaturas no cálculo da divisão do fundo partidário e do fundo eleitoral). Além disso, a Lei 14.208, também de 2021, instituiu as “federações partidárias”, associações entre dois ou mais partidos por um período mínimo de quatro anos. A intenção é evitar a formação de coligações meramente eleitoreiras, como ocorria até as eleições de 2018.
“Só o tempo dirá, mas a intenção dessas mudanças é justamente a redução da fragmentação partidária e, no caso das federações, uma união mais duradoura dos partidos com afinidades programáticas”, afirma a senadora Zenaide Maia (Pros-RN).
Mulheres e negros são maioria na população brasileira e minoria nos parlamentos e no Executivo. Para mudar isso, é preciso menos discurso e mais ação, inclusive dentro dos partidos.
Federações
A instituição das federações foi criticada por parte dos especialistas, porque, segundo eles, isso seria uma espécie de recriação das coligações, dificultando a redução do número de partidos. Porém, para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), as federações possibilitam “a sobrevida de legendas políticas históricas”:
“Nós não estamos falando de legendas políticas de aluguel. Estamos falando de legendas políticas que têm identidade programática, como é o caso do meu partido”, disse Randolfe por ocasião da discussão do respectivo projeto em Plenário.
Durante a discussão do texto, o senador Carlos Fávaro (MT), agora licenciado, atacou a proposta:
“Diante da coerência que estamos mantendo, acabando com a coligação no Brasil, [deveríamos] sepultar, definitivamente, as coligações para os partidos políticos nas [eleições] proporcionais”, declarou.
Antes de ser transformado na Lei 14.208, de 2021, essa proposta tramitou no Senado na forma do PLS 477/2015 e na Câmara na forma do PL 2.522/2015.
Atualmente há 30 partidos representados na Câmara dos Deputados. No Senado, há 17: Avante, Cidadania, MDB, PDT, PL, Podemos, PP, Pros, PSB, PSC, PSD, PSDB, PT, PTB, Rede, Republicanos e União. Muitos cientistas políticos consideram essa fragmentação, uma das maiores do mundo, prejudicial à governabilidade, por aumentar o esforço necessário para negociar uma maioria parlamentar que aprove as pautas de interesse do governo.
Emenda Constitucional 97
Além dos textos aprovados em 2021, outra emenda constitucional, a 97, ainda traz novidades para as eleições deste ano, mesmo tendo sido promulgada em 2017. Ela prevê, desde as eleições municipais de 2020, o fim das coligações nas eleições proporcionais e uma “cláusula de desempenho” (paulatinamente mais rigorosa, com um mínimo de votos para que os partidos possam ter acesso aos fundos eleitoral e partidário e ao tempo de propaganda no rádio e na televisão). Essa “barreira”, em 2022, será de 2% dos votos válidos e 11 deputados federais eleitos. A ideia é que isso resulte em um número menor de partidos, mais robustos eleitoralmente.
Autor de um texto para discussão que analisa a fragmentação partidária, o consultor legislativo do Senado Clay Souza e Teles acredita que as mudanças criadas pela Emenda 97 estão entre “as mais substanciais” das últimas décadas, e que seus efeitos serão plenamente percebidos no longo prazo.
“Eu acredito que os dois, juntos, têm o poder de diminuir a fragmentação. Essa diminuição será significativa? Não dá para garantir. Na eleição passada já vimos um leve enxugamento do quadro partidário. A cláusula de barreira, por si só, estimulou as fusões e incorporações de partidos. Agora estamos vendo uma dinâmica diferente. Os partidos começaram a se juntar em federações; temos agora três. Outra dinâmica: os partidos estão querendo colocar alguns candidatos de peso na Câmara dos Deputados, justamente para assegurar a cláusula de barreira. Potenciais candidatos a cargos majoritários devem [mudar de ideia e] se candidatar a deputado federal, atuando, assim, como puxadores de votos em seus partidos”, analisa o consultor.
Diversidade
Souza e Teles vê com “otimismo” a regra criada pela Emenda Constitucional 111, que duplica o peso dos votos a mulheres e pessoas negras no cálculo dos fundos partidário e eleitoral.
“A Emenda 111 entra em um ponto muito importante para os partidos, que é a distribuição de recursos públicos. Agora, contando em dobro, vai interessar ao partido ter candidatas mulheres e candidatas e candidatos negros com potencial de votação mais expressiva. Não é conveniente para o partido registrar uma candidatura apenas para preencher o percentual mínimo exigido em lei”, explica.
Futuras mudanças
Quaisquer que sejam os resultados práticos das novas regras, a maioria dos especialistas no sistema eleitoral aponta distorções que exigiriam uma reforma mais ampla. Esta, porém, esbarra na dificuldade de se encontrar um consenso no Parlamento para alterações mais profundas. Por esse motivo, nos últimos pleitos a Justiça Eleitoral tem tomado decisões normatizando lacunas da legislação, como a regulamentação das pesquisas de intenção de voto.
Para a senadora Zenaide Maia, uma das questões mais urgentes é a das fake news. “Para mim, a atitude mais importante nem é uma nova mudança na legislação eleitoral, mas um investimento pesado no combate às fake news. As mentiras que já estão envenenando as campanhas corroem a democracia, porque tiram do cidadão e da cidadã o direito à informação verdadeira”.
O consultor legislativo Clay Souza e Teles acredita que o período de pré-campanha exige um regramento mais detalhado. Para ele, a tendência a encurtar o período oficial de campanha (este ano, a partir de 16 de agosto) sob o argumento do barateamento leva a pré-campanhas com quase nenhuma regulamentação:
“É como se a campanha fosse uma maratona, e esse período a partir de 16 de agosto fosse a reta final. Reduziu-se o período de propaganda no rádio e na TV, mas antes disso há memes, vídeos e até outdoors estampando o rosto de pré-candidatos em datas comemorativas… A lei permite algumas condutas, desde que não envolvam o pedido explícito de votos, mas muitas vezes há dúvidas sobre o que é permitido ou não. Diante do silêncio da legislação, o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] vem construindo uma jurisprudência em cima disso”, ressalta.
Com informações da Agência Senado
Foto: Agência Brasil