O STF retomou nesta terça-feira, 10, às 9h, os interrogatórios dos réus do núcleo principal da trama golpista que teria sido articulada durante o governo Jair Bolsonaro para impedir a posse do presidente eleito Lula.
O primeiro a depor foi o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier. Em seguida, Alexandre de Moraes ouviu o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
O réu era secretário de segurança do DF quando ocorreram os atos de 8 de janeiro de 2023. Ele foi acusado de se omitir ou facilitar a invasão dos prédios dos três Poderes, e chegou a ser preso.
Logo no início da oitiva realizada nesta terça-feira, Alexandre de Moraes leu falas que teriam sido proferidas por Torres em reunião, nas quais ele afirmou estar se sentindo ameaçado.
“Do lado de lá, é ameaça direta de lá para cá. ‘Se meta e eu lhe prendo’, ‘se meta e eu casso seu mandato’. Questione. Quer dizer, a gente não pode questionar?.”
“Isso seria uma referência ao STF?”, questionou o relator. “De maneira nenhuma”, disse Torres.
“Acho que é um momento muito acirrado entre o Executivo e o Judiciário, acho que fui dos que mais me esforcei para que essa relação não se esbagaçasse. (…) Mas a gente sentia, pelo menos eu sentia uma pressão muito grande sobre o que fazer. Havia todos os dias uma série de proibições.”
Moraes também disse que Torres, como delegado de polícia, sabe que “indícios” são inícios de provas. E perguntou se Anderson Torres tinha algum indício de fraude às urnas, como ele mesmo afirmou em reunião. O réu respondeu que não.
Moraes também citou fala de Anderson Torres em reunião ministerial na qual Torres afirmava que estavam “desentranhando a velha redação do PT com o PCC”. Moraes destacou o peso que tinha a fala de um ministro da Justiça em reunião ministerial, e questionou em que contexto se deu a fala do então ministro.
“Das duas uma: ou o senhor tinha esses elementos, e aí tinha que tomar uma providência como ministro da Justiça, o que não houve, ou o senhor não tinha esses elementos, e contribuía com o núcleo de desinformação.”
Anderson Torres disse que a reunião foi em 5 de julho de 2022 e que, dias antes, foram publicadas matérias da Veja e da CNN, as quais falavam em suposta relação do PT com o PCC. “Falei isso com base exclusivamente nessas duas matérias.”
Extravio de celular
Alexandre de Moraes também questionou o uso da estrutura da PRF no segundo turno das eleições. Torres negou ter solicitado boletins de inteligência feitos por Marília Ferreira de Alencar sobre locais onde Lula teria mais chances de votos.
Moraes, por sua vez, observou que diálogos entre Torres e Marília foram apagados do celular de Marília, e que não foi possível periciar o aparelho celular do réu porque ele, que estava nos Estados Unidos quando ocorreram os atos de 8 de janeiro, deixou o aparelho por lá quando retornou.
Torres respondeu que o celular foi perdido, e que viveu um momento muito duro.
“Até aquele momento, o momento mais duro da minha vida. Com três crianças pequenas nos EUA, sai daqui com três crianças pequenas como secretário de segurança e saiu minha prisão no dia 10. Isso me deixou completamente transtornado. (…) Nesse contexto, acabei perdendo meu celular.”
Ausência do país
Moraes também questionou o fato de Torres ter se ausentado do país no dia 6 de janeiro, às vésperas dos ataques aos prédios dos três Poderes. Moraes destacou que a cúpula da PM também se omitiu. Dizendo não acreditar em coincidências, o ministro questionou: “foi uma coincidência?”
Torres disse que a viagem estava preparada para julho de 2022 mas, diante da sobrecarga de trabalho, precisou adiar para as férias escolares de suas filhas. “Comprei as passagens em novembro de 2022, quando não havia nenhum tipo de manifestação violenta aqui no DF.”
Segundo Anderson Torres, ele deixou Brasília tranquilo, mas que houve uma falha grave no cumprimento do protocolo deixado por ele a ser cumprido pela PM/DF. “Se o PAI – protocolo de ações integradas tivesse sido seguido à risca, o 8 de janeiro não teria acontecido aqui em Brasília.”
Minuta do golpe
Moraes questionou Anderson se ele participou de alguma reunião com o presidente da República para prestar assessoria jurídica, ao que o réu nega. “Por que, então, a minuta do golpe foi encontrada na sua casa?”
Anderson brincou: “não é a minuta do golpe, é a minuta do Google. Está no Google até hoje”.
Segundo Anderson, o documento foi entregue em seu gabinete no ministério da Justiça. Ele disse que diariamente levava duas pastas com documentos para casa.
“Nem me lembrava dessa minuta, fui ver isso quando foi apreendido pela PF. (…) Isso foi parar na minha pastinha de levar para casa, e foi colocado para ser descartado. Nunca tratei isso com o presidente da República nem com ninguém.”
Ele disse que o documento não era de sua lavra, que não sabe quem fez e nem mandou fazer.
Como funciona o interrogatório
As oitivas tiveram início nesta segunda-feira, 9, quando foram ouvidos Mauro Cid e Alexandre Ramagem. A condução da oitiva é feita pelo relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, com a participação do ministro Luiz Fux e do procurador-Geral da República, Paulo Gonet, responsável pela acusação. Após as perguntas do relator e do procurador-geral, os advogados dos demais réus também podem fazer perguntas.
Quem será ouvido
O “núcleo 1” é composto por Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. Eles serão ouvidos em audiências previstas para acontecer ao longo desta semana, em ordem alfabética.
Da Redação com informações de Migalhas
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