O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu por unanimidade, nesta terça-feira (21), afastar o juiz Aluízio Ferreira Vieira, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública, por suspeita de irregularidades e parcialidade em decisões sobre a saúde pública no estado. Os ministros também votaram pela abertura de processo administrativo disciplinar contra o juiz.
Na semana passada, o magistrado foi alvo da operação Fullone da Polícia Federal, que investiga esquema de desvio milionário na Saúde de Roraima (leia mais abaixo). Ao g1, o juiz informou que reconhece a importância do CNJ e recebe com tranquilidade a decisão cautelar de afastamento, pois vai demonstrar “inexistir qualquer falha na prestação jurisdicional a seu cargo, ao longo de 15 anos de exercício da magistratura e da docência”.
“Aluízio reitera sua confiança na investigação diligente e imparcial dos fatos, mantém confiança de que a verdade será restabelecida, com base nas evidências sólidas e técnicas e de que o desfecho desse procedimento será justo e transparente, pelo arquivamento”.
O Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) também foi procurado e a reportagem aguarda retorno.
O relator do processo, Luis Felipe Salomão, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), classificou as denúncias como mais graves do que o caso do juiz Luiz Alberto de Morais Júnior, afastado em sessão no mês passado pelo mesmo motivo. Os dois são investigados no mesmo processo.
Para o relator, Aluizio teve atuação parcial em processos de cobrança ajuizados por empresas do setor de saúde privada de Roraima contra o Estado. Citou ainda que ele adotou tratamento diferenciado a processos de advogados privados quando comparados aos da Defensoria Pública e do Ministério Público. Os atos judiciais geraram “graves danos aos cofres públicos”.
“Eu proponho portanto, em linha com o que já aconteceu com o magistrado da 2ª vara, esse aqui que é muito mais grave, a abertura do processo administrativo disciplinar com o afastamento do cargo. Como eu disse, é público que esta semana teve mais um desdobramento com apreensão de documentos do juiz Aluízio que atuava em conjunto com o Conselheiro do Tribunal de Contas, sempre com essa ideia de desvio de valores”, votou.
As investigações iniciaram no ano passado, quando o CNJ publicou um relatório em que apontava “indícios relevantes de irregularidades na tramitação de processos” (entenda mais abaixo). A suspeita sob os magistrados ocorreu após a Corregedoria Nacional de Justiça fazer uma fiscalização chamada de correição extraordinária no TJRR.
Ao proferir a ementa do processo, o ministro citou que houve quebra de sigilo bancário dos investigados, o que possibilitou identificar uma movimentação atípica na conta do juiz e “incompatível com os rendimentos declarados”.
“Ainda que fossem consideradas lícitas todas as receitas apresentadas, o reclamado em principio exerceria atividade empresarial rural pessoalmente de forma organizada e habitual com movimentação expressiva de valores, incompatibilidade com a magistratura na forma de precedentes julgados pelo STJ”, citou.
Sobre o assunto, o juiz afirma que a atividade rural citada nos autos acontece em decorrência de uma herança. A fazenda pertencia ao pai do magistrado e com o falecimento dele parte da administração passou para Aluízio.
“Não há qualquer impedimento na legislação brasileira e da magistratura que impeça a juízes ou promotores de justiça o ofício de produtor rural, atividade que é tradição nas famílias do interior do Brasil, de maneira que o trabalho rural exercido por Aluízio em seu tempo livre, em continuidade ao legado do seu pai, em nada macula ou prejudica o exercício das suas funções como servidor público. Não se trata, portanto, de atividade empresarial”, justificou.
O voto pelo afastamento cautelar e abertura de PAD foi acompanhado pelos ministros da Corte em sessão presidida pelo presidente do CNJ Luís Roberto Barroso.
Relatório do CNJ
Além de Aluízio e Luiz Alberto, os desembargadores Mozarildo Cavalcanti e Almiro Padilha também são citados e investigados. Nos trabalhos, realizados entre os dias 9 e 10 de janeiro de 2023, o CNJ identificou, entre outras coisas:
Indícios relevantes de irregularidades na tramitação de processos envolvendo questões de saúde pública – notadamente em feitos relacionados a procedimentos cirúrgicos – nas Varas de Fazenda Pública de Boa Vista/RR, com possível atuação parcial do magistrado titular da 1ª Vara e de seu assessor, em benefício de escritório de advocacia específico e de médicos/clínicas/hospitais locais.
Indícios de atuação desidiosa e desprovida de conhecimento técnico-jurídico por parte do titular da 2ª Vara de Fazenda Pública de Boa Vista/RR para decidir processos de saúde, em relação aos quais o magistrado titular da 1ª Vara de Fazenda se declara suspeito.
O relatório do CNJ, a provado por unanimidade 15 conselheiros, indica que o juiz Aluízio Vieira atuou em “em benefício de escritório de advocacia específico e de médicos/clínicas/hospitais locais” em decisões judiciais sobre saúde pública.
“A partir do acervo probatório indiciário até aqui arrecadado, o magistrado ALUÍZIO FERREIRA VIEIRA pode ter violado deveres funcionais inerentes à magistratura”, afirma trecho do relatório.
Já em relação ao Luiz Alberto de Morais Júnior, o CNJ apontou que “há fortes indícios de que o referido magistrado não tinha o conhecimento fático necessário sobre as decisões que proferia e que haviam sido minutadas pelo assessor do juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública [Aluízio Ferreira Vieira], juiz este que se deu por suspeito. Em suas declarações, ficou demonstrado que o Dr. Luiz Alberto de Morais Júnior desconhecia o alcance de suas decisões”.
Na sessão em que afastou Luiz Alberto, o relator também destacou que as inspeções conduzidas em dezembro de 2022 constataram infrações de que Luiz Alberto Júnior “favoreceu a tramitação irregular dos processos”.
Foi verificado durante diligências que um assessor de Aluízio Ferreira despachava a maioria dos processos relacionados à saúde. Usando a senha pessoal do juiz, o assessor despachou quase 1,8 mil processos, destacou o relator.
Operação Fullone
O juiz do Tribunal de Justiça de Roraima, Aluízio Ferreira Vieira, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Joaquim Pinto Souto Maior, e o filho dele, o empresário João Victor Noleto Souto Maior, foram alvos da Polícia Federal no dia 16 de maio numa operação que apura desvio de recursos relacionados à contratação de uma lavanderia pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesau).
Durante a operação, o filho do conselheiro foi preso pela PF. Contra ele havia um mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça Federal. João Victor Noleto é dono de uma lavanderia que tem contrato com a Sesau para lavagem de roupa hospitalar.
Até agora, a PF identificou que:
O filho do conselheiro do TCE é dono de uma lavanderia contratada pela Sesau para lavar lençóis e outros tipos de roupas de hospitais públicos do governo. Sem receber da secretaria, ele recorreu à Justiça para receber valores em atraso.
Na ação da empresa, o juiz Aluízio Ferreira deu uma decisão favorável à empresa e obrigou a Sesau a fazer o pagamento de cerca de R$ 1,5 milhão. A investigação da PF suspeita que o magistrado atuou para favorecer a empresa de João Victor.
O conselheiro do TCE, Joaquim Pinto, atuava como fiscal do contrato da empresa do próprio filho, por isso, ele também é investigado pela PF. Ele foi afastado da função.
Com informações g1 Roraima
Foto: Reprodução