dezembro 22, 2025 17:02

Escândalo na Assembleia de RR: Árbitro da CBF, esteticista e pastores fazem parte da folha de R$ 17mi

Árbitro da CBF, dentista, esteticista e parentes de políticos figuram entre os 4.334 servidores comissionados da Assembleia Legislativa de Roraima, que apresenta uma das maiores proporções de cargos de confiança por deputado no país, de acordo com levantamento do site UOL publicado nesta segunda-feira, 22.

Árbitro da CBF e assessor

Aos oito minutos do primeiro tempo, o Atlético-MG abriu o placar da partida contra o Sport, pela 14ª rodada do Campeonato Brasileiro. Em uma das laterais do gramado, o bandeirinha correu em direção ao meio de campo, um sinal de que o gol poderia ser validado.

Naquela noite de quarta-feira, em um estádio em Belo Horizonte, Alex Sandro Quadros Thomé trabalhava a milhares de quilômetros de casa. Já havia feito o mesmo, uma semana antes, em um jogo no interior de São Paulo.

Thomé não é só bandeirinha de jogos da CBF(Confederação Brasileira de Futebol). É também um dos mais de 4 mil comissionados da Assembleia Legislativa de Roraima.

O levantamento analisou a folha de pagamentos do legislativo de RR e identificou um gasto com salários de R$ 17 milhões com comissionados em um único mês. A Assembleia mantém ainda 105 funcionários concursados.

Na primeira semana de dezembro, Alex Thomé disse à reportagem que não sabia como estava sua situação na Assembleia. Vinculado à federação de futebol de Roraima, o árbitro atuou em jogos em dias úteis, entre setembro e outubro deste ano, conforme registros da CBF.

“Acho que foi pedida uma exoneração esses dias. Eu nem sei, estou indo verificar isso agora” afirmou, antes de a ligação cair.

O árbitro, que recebe R$ 8.100 mensais como assessor técnico de gabinete, não respondeu mais aos contatos da reportagem, feitos por ligação e mensagem.

Esteticistas e parentes de político na folha

A Assembleia de Roraima também empregou como assessores e chefes de gabinete: parentes de deputados e vereadores, pastores evangélicos, dentista, cabeleireira e designer de sobrancelha.

Também há fisioterapeuta, condenado por rachadinha, dono de empresa proibida de contratar com o Poder Público, candidatos que perderam eleições e mais de uma centena de beneficiários do Bolsa Família e do BPC (Benefício de Prestação Continuada).

Sem se identificar, a reportagem procurou a designer de sobrancelhas na sexta-feira, 5 de dezembro, às 11h, para atendimento estético. “Eu atendo por ordem de chegada. Só vir que atendo” respondeu por mensagem.

Moradora de Caracaraí, a 140 quilômetros de Boa Vista, onde fica a Assembleia, ela é assessora parlamentar regional e casada com um pastor evangélico. Está lotada na equipe do deputado Isamar Júnior (Podemos), filho do presidente da Assembleia de Deus Brasil.

O gabinete do parlamentar abriga outros dois religiosos como assessores.

Por volta das 14h50 daquele mesmo dia, também sem se identificar, a reportagem entrou em contato com uma dentista contratada como assessora técnica de gabinete, pedindo informações sobre clareamento dentário.

“Eu atendo das 8h às 11h30. E das 14h às 17h30. De segunda a sexta”, informou por mensagem. No legislativo, ela recebe R$ 8.100 mensais.

A Assembleia Legislativa de Roraima tem 24 deputados e um índice de 180 comissionados por parlamentar. Foi considerado nesta conta, cargos de confiança de todos os setores, não apenas dos gabinetes.

Procurada pela reportagem, a Assembleia Legislativa de Roraima afirma que a estrutura de pessoal mantida pela casa garante o “funcionamento regular” de comissões, programas e gabinetes dos 24 deputados estaduais em Boa Vista e no interior do estado, e que irá apurar os casos denunciados.

Comissionados ocupam quase toda folha

Os contracheques dos funcionários de confiança da Assembleia de Roraima superaram os R$ 17 milhões em um único mês. O gasto representou 78% do total da despesa da casa com salários em agosto passado.

A matéria identificou a contratação de familiares de parlamentares na folha de pagamentos. Uma irmã e duas sobrinhas do deputado Gabriel Picanço (Republicanos) estão lotadas no setor de comissões e no gabinete do próprio parlamentar, ao custo total de R$ 24 mil mensais.

O deputado Marcinho Belota (PRTB) abriga o irmão do colega Rarison Barbosa (PMB) no posto de assistente técnico, com remuneração mensal de R$ 7.600.

O Programa de Atendimento Comunitário, da Assembleia, criado para “acompanhar, instruir e sensibilizar o cidadão de seus direitos sociais”, empregou a mãe da deputada Angela Portella(PP). A parlamentar ainda mantém uma sobrinha em seu gabinete.

Roraima tem 15 municípios, 636 mil habitantes e tornou-se um estado com a Constituição de 1988.

Há pouco mais de duas décadas, durante uma sessão no Senado, o então senador Romero Jucá afirmou que, por ser um estado novo, Roraima teria “um grande horizonte pela frente”.

“É como um livro que tem ainda muitas páginas em branco, onde podemos escrever nossa história com os próprios punhos” disse Jucá, em 2002, na época filiado ao PSDB-RR. O pronunciamento tratava de repasse de recursos a municípios do estado.

“Temos a vantagem de construir um estado sem os problemas que afetam os grandes centros.

Porque conhecemos os erros dos outros e, assim, as nossas chances de acertos são muito maiores.”

Naquele período, o estado enfrentou o chamado escândalo dos gafanhotos, esquema que inflou a folha de pagamento do governo de Roraima entre 1998 e 2002 com funcionários “fantasmas”.

Uma assessora parlamentar, condenada pela Justiça por ajudar a incluir nomes na folha e receber parte dos salários dos “gafanhotos” é comissionada da Assembleia com salário de R$ 12 mil. Ela não chegou a cumprir pena, pois o caso prescreveu.

O desbalanço dos cargos

Na correria de um dia útil, a assessora técnica de gabinete Dyessyca Lima não conseguiu tirar uma pausa. Já havia passado da hora do almoço quando chegou “uma marmitinha”.

Em vídeo publicado no Instagram, Lima pediu “dez minutinhos” para comer e disse que, em seguida, responderia a todos. O cenário de fundo da assessora, contudo, não era a Assembleia, mas sua loja de cosméticos.

“Você que quiser aproveitar a sua hora do almoço para dar um pulinho aqui na loja e conferir as novidades de pertinho, vou logo avisar, cada coisa linda”, disse, mostrando estantes com os produtos, na tarde de quinta-feira, 4 de dezembro.

“Não deixe para depois, ontem as meninas vieram conferir as novidades de pertinho.”

Lima foi contratada em agosto passado, mês em que a Assembleia registrou o maior número de comissionados dos últimos anos. Duas canetadas, em 2025, ajudaram a chegar ao recorde. A casa criou 180 cargos adicionais ao custo de R$ 700 mil por mês em salários.

Dados do legislativo de Roraima apontam que os comissionados se concentram em determinadas áreas. Enquanto as diretorias de Gestão Patrimonial e Financeira detinham um comissionado cada, o setor de comissões contava com 714.

A Corregedoria-Geral abrigava quatro funcionários de confiança e a Controladoria, seis. Para apoiar a cúpula da Assembleia, havia 149.

Três gabinetes de deputados chegaram a ter, cada um, mais de 100 comissionados à disposição.

Uma das equipes custou quase R$ 480 mil em remunerações em um único mês.

Em Brasilia, cada deputado federal tem, por mês,

R$ 133 mil de verba de gabinete para pagar os salários de secretários parlamentares. Isso significa que podem contratar de 5 a 25 profissionais para assessorá-los na capital federal ou nos estados.

Assembleia abriga sancionados

O assessor parlamentar regional Adelino Dias de Sousa Neto tem experiência na política local: é ex-vereador da Câmara de Boa Vista. Eleito em 2012, teve um mandato único.

O período no legislativo da capital lhe rendeu uma condenação por improbidade em 2019. O Ministério Público estadual acusou Adelino Neto de rachadinha por sacar parte dos salários de um assessor. O ex-vereador chegou a ter o rosto fotografado pela câmera do caixa eletrônico.

A Justiça aplicou a Adelino Neto a sanção de proibição de contratar com o Poder Público até 2027. A Assembleia o empregou em janeiro deste ano com salário de R$ 2.520 mensais. Procurado, ele não retornou ao contato do UOL.

Não é um caso isolado. Em agosto, o legislativo contratou o dono de uma empresa também proibida de negociar com a administração pública—punida por descumprir contrato. A sanção contra a empresa vale até 2028. O dono recebe um salário de R$ 4.500 mensais na Assembleia.

 

Da Redação, com informações do UOL
Foto: Divulgação 

Últimas Notícias

Reajuste do Judiciário é sancionado por Lula com veto a aumentos futuros; veja os novos salários

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou com vetos a lei que trata do reajuste remuneratório...

Mais artigos como este

error: Conteúdo protegido!!