novembro 23, 2024 19:20

Verba para combate ao trabalho escravo encolhe em mais de 40% e é a menor dos últimos 10 anos

A verba para o combate ao trabalho escravo no Brasil teve uma redução expressiva no ano passado. Foi gasto R$ 1,3 milhão – uma diminuição na ordem de 41%. Trata-se do menor valor dos últimos 10 anos – isso mesmo sem descontar a inflação do período para os anos anteriores. É o que mostram dados do Ministério da Economia.

Os dados obtidos via Lei de Acesso à Informação mostram como o dinheiro destinado a esse fim tem sofrido reduções ao longo do tempo. Em 2018, foram gastos R$ 2,6 milhões e em 2019, R$ 2,3 milhões. Em 2020, o valor foi a metade do despedindo dois anos antes.

O valor compreende gastos com combustível, diárias, material para patrulhamento e passagens aéreas, por exemplo.

Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho, Bob Machado, é inegável o impacto com a redução de verba.

“Isso já vem ao longo dos anos, mas em 2020 a redução foi ainda mais expressiva. Nós chegamos a ter no Brasil nove equipes de combate ao trabalho escravo. Elas foram reduzidas para quatro. Isso obviamente tem um impacto significativo na atuação. Há um alcance menor da fiscalização”, diz.

“Com a pandemia, há um aumento das desigualdades sociais. Ou seja, havia a necessidade de o Estado brasileiro intensificar as ações de combate ao trabalho escravo. Porque, nesse cenário, há mais cidadãos em condições de vulnerabilidade e são esses que são explorados no trabalho análogo ao escravo no país. Em vez de reduzir, era preciso aumentar essa verba.”

Segundo ele, com o número atual de auditores e com o orçamento previsto, é muito difícil cobrir todas as denúncias hoje.

“Isso reflete nos números. De resgatados, de estabelecimentos fiscalizados e de ações fiscais realizadas. Houve uma redução drástica de auditores. São mais de 1.500 cargos criados em lei vagos, o que representa 45% do total do efetivo. O último concurso foi feito há oito anos. E todos os anos há um número considerável de aposentadorias. Isso impacta, sem dúvida, na fiscalização do combate ao trabalho escravo.”

Menos resgatados

De fato, o número de trabalhadores resgatados e locais inspecionados também caiu em 2020. Houve 942 trabalhadores libertados, ante 1.051 em 2019. Foram fiscalizados 266 estabelecimentos no ano passado, contra 280 no ano anterior.

O Ministério da Economia afirma que, embora tenha havido um impedimento de locomoção em razão da pandemia, “o número de ações fiscais mostrou-se próximo ao resultado obtido no ano anterior, uma vez que as ações fiscais dessa natureza são consideradas prioritárias e ininterruptas”. Segundo a pasta, o decreto nº 10.282, de 20 de março do ano passado, que define os serviços públicos e as atividades essenciais, coloca a fiscalização do trabalho como uma delas.

“Em relação a 2020, a execução orçamentária e financeira (pagamento de despesas) foi de R$ 1.348.064,61, valor abaixo do executado em anos anteriores em razão dos impactos causados pela pandemia, especialmente no que tange a restrição de voos entre março e julho. Nesse período, priorizou-se a realização de ações em conjunto com as unidades regionais da inspeção do trabalho, não sendo necessária a realização de deslocamentos aéreos, tanto que a quantidade de ações praticamente não foi impactada”, diz a pasta.

O ministério diz ainda que uma quinta equipe do grupo móvel será criada em 2021, “para garantir os recursos humanos necessários para atuações emergenciais”.

As libertações no Brasil ocorrem após denúncias que são fiscalizadas in loco por grupos móveis. Os grupos são compostos de auditores fiscais, procuradores do Trabalho e policiais federais ou rodoviários. O trabalho escravo é configurado quando a pessoa é submetida a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quando está sujeita a condições degradantes de trabalho e alojamento ou quando tem sua liberdade restringida em razão de dívida contraída com o empregador.

Bob Machado diz que há uma preocupação em relação ao trabalho dos auditores, que não pode ser paralisado. “O sindicato tem cobrado que a Secretaria de Inspeção do Trabalho forneça as condições necessárias aos auditores que estão em campo. Já houve casos, inclusive, de auditor infectado com a Covid-19 nos grupos móveis.”

Aumento de resgates na área urbana

Apesar da queda no número geral de resgatados, um dado chama a atenção: houve um aumento no número de libertações na área urbana. Houve 362 resgates em 2020 nas cidades, ante 336 no ano anterior.

Um episódio do podcast ‘O Assunto’ mostra que casos domésticos e na área urbana têm ganhado destaque no noticiário nos últimos anos.

O caso mais recente foi o de uma mulher de 63 anos que passou quatro décadas a serviço de uma família que, além de submetê-la a condições humilhantes, ficava com toda a sua remuneração – inclusive o auxílio emergencial recebido em razão da pandemia.

E como erradicar a prática? “O tripé do enfrentamento é prevenção, repressão e pós-resgate. Hoje a gente tem um momento delicado em um Brasil desigual, miserável, com a precarização do direito do trabalho e informalidade imperando. É preciso ficar atento a isso. A repressão a gente faz muito bem. E tem o pós-resgate, com a reparação do dano, a punição do empregador e o acolhimento. Precisa melhorar na punição ao empregador no âmbito criminal. É preciso que eles sejam presos, condenados, após o devido processo legal, para que eles deem o exemplo, para evitar que outros empregadores pratiquem essa conduta desumana”, afirma o auditor-fiscal Alexandre Lyra.

Desde 1995, já são mais de 55 mil trabalhadores resgatados em condições análogas à de escravos no Brasil. O Ministério da Economia ressalta que, em janeiro, foi realizada a Operação Resgate. “Trata-se da maior operação de combate ao trabalho escravo já realizada no país, que reuniu mais de 100 auditores-fiscais do Trabalho em ações fiscais simultâneas em todas as regiões do país”, informa a pasta.

“Durante a operação, os auditores-fiscais do Trabalho realizaram 126 ações fiscais e resgataram 137 trabalhadores de condições análogas às de escravo, dentre eles oito crianças e adolescentes. Os empregadores flagrados submetendo trabalhadores nessas condições foram notificados a interromper as atividades e a rescindir os contratos de trabalho, formalizando-os retroativamente, bem com a pagar as verbas salariais e rescisórias devidas aos trabalhadores, que somaram quase R$ 1 milhão, dos quais cerca de R$ 500 mil já foram pagos aos trabalhadores.”

Conteúdo: G1

Foto: Divulgação

 

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