Durante as mais de duas horas que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) bombardeou o funcionamento da urna eletrônica e o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, em sua live do dia 29 de julho, uma verdadeira máquina de contra-ataque foi colocada em funcionamento pelo tribunal.
A cada mentira ou fato distorcido divulgado por Bolsonaro, o TSE enviava uma notícia com a informação verdadeira para uma lista de transmissão com centenas de jornalistas. Foram 31 notícias enviadas durante a live.
No último mês, Bolsonaro intensificou os ataques ao sistema de votação brasileiro e bombardeou Barroso com xingamentos e provocações. O presidente do TSE foi chamado de “idiota”, “imbecil” e acusado de querer ser o dono da verdade. Na sexta-feira, 6, Bolsonaro chegou ao ponto de chamar o ministro de “filho da puta”.
A interlocutores próximos, Barroso demonstrou indignação com o comportamento inadequado de Bolsonaro. Publicamente, fez questão de responder de forma elegante. “Sou um ator institucional”, diz Barroso.
“Sou um ator institucional”, diz Barroso “Eu sou um ator institucional, não um ator político. Não tenho interesse em polêmicas pessoais. Construir e preservar a democracia foi a causa da minha geração. É a isso que eu dedico a minha vida pública”, disse Barroso logo depois do xingamento de sexta-feira.
A equipe de comunicação do TSE que produz as notícias para desmentir Bolsonaro tem cerca de dez pessoas. Além dessa frente, o tribunal tem um grupo de trabalho de combate à desinformação, formado por jornalistas, advogados e outros profissionais. É esse grupo que define as estratégias para enfrentar as fake news direcionadas à Justiça Eleitoral e à urna eletrônica.
É feito o monitoramento de redes sociais e, a partir de mensagens agressivas ou falsas, as plataformas são acionadas para retirar o conteúdo do ar. Essa parceria existe com os principais sites – como Google, Facebook, WhatsApp e Instagram.
Diante do aumento dos ataques ao sistema eleitoral, a estratégia de combate às fake news que seria colocada em prática em 2022 foi antecipada. A ideia é identificar a informação falsa e produzir um desmentido de forma rápida para circular nas plataformas da internet.
Paralelamente, é feito um trabalho para ampliar o conhecimento sobre o processo eleitoral brasileiro com linguagem acessível. Foi assim que Barroso foi parar até no TikTok, com vídeos explicativos sobre a urna eletrônica e o sistema eleitoral.
Mas Barroso não é só paz e amor. Na última segunda-feira, 2, ele subiu o tom em discurso contundente feito no plenário do TSE contra os ataques do presidente da República.
Ao fim, o ministro partiu para a ação: determinou a abertura de um inquérito no tribunal para apurar as declarações de Bolsonaro e encaminhou para o STF (Supremo Tribunal Federal), um pedido para inclusão da live no inquérito das fake news, comandado por Alexandre de Moraes.
Reação orquestrada
Estava tudo previamente orquestrado. No plenário, os ministros do TSE concordaram com as determinações de Barroso. Dois dias depois, Moraes incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news. Para completar, na quinta-feira, 5, o presidente do STF, Luiz Fux, acordou de uma espécie de letargia e fez um discurso firme em plenário em repúdio à postura de Bolsonaro.
Fux não ficou só no verbo. Decidiu cancelar o encontro que teria com o presidente da República e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para tentar azeitar a relação entre os Poderes.
Em tom enérgico, o presidente do Supremo disse o que o resto do Judiciário já tinha percebido: que “diálogo eficiente” pressupõe “compromisso permanente com as próprias palavras”.
Logo depois do discurso de Fux, Moraes foi ao Twitter às redes sociais para repudiar “ameaças vazias e agressões covardes” e defender a dignidade do tribunal. Apesar de não citar o nome de Bolsonaro na mensagem, ficou claro para quem era o recado. O ministro já tinha provocado o presidente da República ao mandar retomar o inquérito da PF.
Gilmar Mendes, que já discutiu publicamente com Barroso por diversas vezes, foi um dos primeiros a defender o colega. No dia 12 de julho, ele escreveu no Twitter que “disseminar notícias falsas é corrosivo para a democracia e configura crime”. Bolsonaro tinha acusado Barroso de pedofilia.
Os episódios recentes mostram que Bolsonaro conseguiu a façanha de unir alas historicamente rivais do STF. A ala mais proativa se posicionou logo – Gilmar Mendes, Moraes e Barroso. Até Cármen Lúcia, que costuma ser mais contida, foi enfática quando enviou para a PGR (Procuradoria-Geral da República) um pedido de investigação contra Bolsonaro por ter transmitido a live na TV Brasil. A ministra chamou o fato de “grave”.
Fux estava no comando da ala do “deixa disso”, ou seja, ministros que estavam mais interessados em apaziguar os ânimos do que entrar em confronto direto com o Palácio do Planalto. De tanto Bolsonaro provocar, Fux se bandeou para o outro lado. Outros ministros dessa ala menos combativa continuaram calados. É o caso de Dias Toffoli.
Apesar de estar calado, Toffoli – que era, junto com Gilmar Mendes, um dos principais interlocutores de Bolsonaro no Supremo – também está indignado com a postura do mandatário. Em conversa com pessoas próximas, ele tem dito que não é o momento de dialogar com o presidente da República.
Entre o silêncio, as notas de repúdio e as atitudes mais enérgicas, o Judiciário vem, pouco a pouco, cavando uma trincheira contra Bolsonaro. O presidente da República costuma dobrar a aposta: segue com os ataques e xingamentos aos ministros. A intenção de Bolsonaro de desestabilizar o STF pode ter funcionado perante seus seguidores mais fiéis. Mas, na prática, foi um tiro n’água. O Judiciário ficou mais unido.
Conteúdo: UOL
Foto: Acervo O Poder