Secretários e assessores do Ministério da Justiça, chefiado pelo ministro Flávio Dino, receberam dentro do prédio da Pasta uma integrante do Comando Vermelho duas vezes neste ano, revelou o Estadão nesta segunda-feira, 13. A mulher é Luciane Barbosa Farias, 37, conhecida como a “dama do tráfico amazonense”.
O ministério alegou que ela fora levada para reuniões sem conhecimento prévio da administração e sustentou desconhecer a relação de Luciane com a organização criminosa.
O que se sabe dos encontros?
Segundo apurou o Estadão, Luciane esteve, no dia 19 de março, com Elias Vaz, que é secretário Nacional de Assuntos Legislativos de Flávio Dino. Dois meses depois, em 2 de maio, ela se encontrou com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
A mulher entrou no Ministério da Justiça como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), criada no ano passado. A ILA diz atuar como uma ONG em defesa dos direitos dos presos. Mas, segundo a Polícia Civil do Amazonas, a organização atua em prol dos detentos ligados ao Comando Vermelho e é financiada com dinheiro do tráfico de drogas.
Velasco chegou ao posto no Ministério da Justiça a convite do ministro Flávio Dino e trabalhou com o ministro quando ele era governador do Maranhão. É da responsabilidade da Senappen o controle da política do governo federal para o setor prisional do País.
Já Elias Vaz foi anunciado por Dino como integrante da equipe do Ministério da Justiça durante o período de transição para o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Vaz foi vereador de Goiânia entre 2001 e 2018. Naquele ano, elegeu-se deputado federal pelo PSB, partido do ministro, cargo que exerceu até o ano passado.
Numa postagem no Instagram, Luciane escreveu ter levado a Velasco e a outras autoridades do ministério “denúncias de revistas vexatórias” no sistema prisional amazonense. Ela também teria apresentado um “dossiê” sobre “violações de direitos fundamentais e humanos” supostamente cometidas pelas empresas que atuam nas prisões do Estado.
Preso desde dezembro, o criminoso também tinha um grande poderio militar, de acordo com um relatório da inteligência policial amazonense. Segundo as investigações, as suas ações seriam apoiadas pela cúpula do Comando Vermelho e pelo narcotraficante Gelson de Lima Carnaúba, condenado a mais de 190 anos de prisão por uma chacina no Amazonas.
Tio Patinhas já posou para foto ao lado de uma metralhadora antiaérea calibre .30, armamento com potência para abater aeronaves e atravessar veículos blindados. O traficante também é apontado como o financiador de uma fuga de 35 presos do Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM) em maio de 2018.
O que disse Dino e o Ministério da Justiça?
Em uma nota enviada ao Estadão, o Ministério da Justiça afirmou que atendeu um pedido de agenda da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), que teve a presença de várias advogadas. Segundo a pasta, Luciane não foi a requerente da audiência e que a presença de acompanhantes é de “responsabilidade exclusiva da entidade requerente e das advogadas que se apresentaram como suas dirigentes”.
“Sobre atuação do Setor de Inteligência, era impossível a detecção prévia da situação de uma acompanhante, uma vez que a solicitante da audiência era uma entidades de advogados, e não a cidadã ‘mencionada no pedido de nota. Todas as pessoas que entram no MJSP passam por cadastro na recepção e detector de metais”, concluiu o ministério da Justiça na nota que pode ser conferida na íntegra no final desta reportagem.
Em uma postagem no X (antigo Twitter) nesta segunda-feira, 13, Dino afirmou que não conhecimento das reuniões realizadas na Pasta entre seus secretários e Luciane. O ministro jogou a responsabilidade para Elias Vaz, que disse que a faccionada estava como uma “acompanhante” que “se limitou a falar sobre supostas irregularidades no sistema penitenciário”.
Qual foi a reação do Congresso Nacional?
No Congresso Nacional, parlamentares pediram nesta segunda-feira que Dino seja convocado a prestar esclarecimentos, investigado e, até mesmo, impichado em razão das reuniões entre a integrante do Comando Vermelho e os seus assessores.
Em conversa com o Estadão, o senador e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro (União-PR) disse que considera “muito estranho” que pessoas ligadas a organizações criminosas se sintam confortáveis em visitar o atual Ministério da Justiça.
“Gera alguma preocupação pessoas ligadas a organizações criminosas se sentirem à vontade para fazer visitas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Normalmente isso não é usual”, disse Moro.
Os deputados federais Kim Kataguiri (União-SP) e Paulo Bilynskyj (PL-SP) entraram com pedidos para convocar Dino. Kataguiri também irá pedir o impeachment do ministro e Bilynskyj solicitou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue o caso.
O deputado Amon Mandel (Cidadania-AM) afirmou que providencia uma denúncia crime sobre as visitas de Luciane ao prédio do Ministério da Justiça. “Que inteligência é essa do ministério? Se eles não estão preparados dentro da sua própria estrutura, como combatem o crime organizado no resto do país?”, questionou o parlamentar em suas redes sociais.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) informou que irá entrar com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra Flávio Dino para que seja investigada uma “possível associação ao Comando Vermelho”.
Leia a nota do Ministério da Justiça na íntegra
“No dia 16 de março, a Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) atendeu solicitação de agenda da ANACRIM (Associação Nacional da Advocacia Criminal), com a presença de várias advogadas.
A cidadã mencionada no pedido de nota não foi a requerente da audiência, e sim uma entidade de advogados. A presença de acompanhantes é de responsabilidade exclusiva da entidade requerente e das advogadas que se apresentaram como suas dirigentes.
Por não se tratar de assunto da pasta, a ANACRIM, que solicitou a agenda, foi orientada a pedir reunião na Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
A agenda na Senappen e da ANACRIM aconteceu no dia 2 de maio, quando foram apresentadas reivindicações da ANACRIM.
Não houve qualquer outro andamento do tema.
Sobre atuação do Setor de Inteligência, era impossível a detecção prévia da situação de uma acompanhante, uma vez que a solicitante da audiência era uma entidades de advogados, e não a cidadã mencionada no pedido de nota.
Todas as pessoas que entram no MJSP passam por cadastro na recepção e detector de metais.”
Com informações do Terra
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