O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), aposta na militarização do seu governo, despreza a democracia, incentiva manifestações contra os demais poderes e investe na estratégia do terror para manter sua soberania, segundo avaliam especialistas em política, sociologia e antropologia, ouvidos pelo O Poder, que fizeram uma análise do atual cenário político brasileiro.
Essa militarização é evidenciada desde os primeiros meses do mandato de Bolsonaro, quando passou a colocar militares em cargos estratégicos de ministros e até no segundo escalão, como na Polícia Federal. O antropólogo Ademir Ramos afirma que o governo de Jair Bolsonaro não é um “governo original” e têm uma estreita relação com o modelo de governo do ex-presidente da Venezuela, Hugo Chaves.
“O governo Chaves usou da mesma estratégia. É um processo de militarização do poder. Ele (Bolsonaro) usa dessa estratégia para militarização da política. Um exemplo que nós temos agora é a estrutura da direção política dele em Brasília. E o exemplo mais típico agora que nós estamos vendo é a questão do Ministério da Saúde. É o discurso da competência política substituída pelo discurso da patente militar, essa mesma estratégia o Chaves usou também, o Bolsonaro está usando isso aqui”, compara o antropólogo.
Ainda segundo Ramos, o presidente busca cada vez mais estreitar relação e buscar legitimidade e apoio junto as forças militares como forma de respaldo. “Essa é a estratégia que ele tem adotado e com isso perdemos no campo da política. Perdemos em termos dos direitos constitucionais”, avalia.
Com mais de 30 pedidos de afastamento do presidente na Câmara dos Deputados, a estratégia dele é investir no “medo”, segundo Ramos. “Ele está trabalhando com a cultura do medo. Por isso que a pandemia agora, cria um campo favorável para esse tipo de estado, esse estado ‘Hobbesiano’, que se pauta no medo, no terror. É isso que o Bolsonaro está fazendo. A pandemia cria um campo para isso”.
Sobre um possível golpe militar, o antropólogo avalia que não será um golpe declarado, mas continuará usando a estratégia de manter os militares próximo a ele, distribuindo cargos, inclusive.
Continuação de um golpe
Analisando o atual cenário político brasileiro, o doutor em sociologia Marcelo Seráfico afirma que os atuais atos e comportamentos do presidente Jair Bolsonaro são a continuação do que ele chamou de “golpe de 2016”, quando ocorreu o impeachment de Dilma Rousseff por crimes de responsabilidade.
“O que nós estamos assistindo não é a possibilidade de um golpe, mas é um novo ato num conjunto de desdobramentos daquele golpe de 2016. Não me parece que nós estamos na virtualidade de um golpe, o que nós estamos assistindo é a possibilidade de aprofundamento do golpe, em algo que se assemelha muito ao que aconteceu em 64 com a edição de vários atos institucionais, é isso que está acontecendo no país”, disse.
Para Seráfico, o presidente investe numa tentativa de aprofundar o arbítrio, aprofundar a centralização de todo o poder nas mãos do Executivo e de expandir todas as iniciativas de desrespeito de princípios de convivência democrática. “É uma postura de franco desafio às forças democráticas, de desrespeito a toda e qualquer forma de convivência pacifica e democrática respeitosa dentro da sociedade”, analisou.
Além de garantir apoio do chamado “centrão” na Câmara dos Deputados para evitar um possível impeachment, o presidente também tem o apoio de manifestantes extremistas que se aglomeram em frente do Palácio do Planalto diariamente e, na visão de Seráfico, já agem contra pessoas e qualquer instituição que não apoie ou seja contrária a Bolsonaro.
“Há uma militância relacionada a grupos armados e a grupos que se sentem muito à vontade para ofender pessoas e instituições. Se intitulam os 300 do Brasil, desrespeitam a democracia e podem agir com força contra as pessoas contrárias ao presidente. É preciso fazer front a essas pessoas”, disse.
Governo militar
Para o deputado federal José Ricardo (PT) o governo do presidente Jair Bolsonaro é um “governo militarizado”. “Praticamente é um governo militar onde teve eleição da escolha de um presidente e de um vice militares que agora estão, como eles sempre gostavam de dizer, aparelhando o Estado, ocupando os ministérios, os cargos, as autarquias com militares da reserva, da ativa”, observou.
Ricardo relembra que o presidente apoiou o regime militar, apoiou a tortura e até hoje apoia torturadores, despreza a democracia, a Constituição e apoia movimentos que querem acabar com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com a representação popular.
“Ele não aceita críticas, ele só agride, só comete atos incompatíveis com o cargo dele. Ele se tornou uma vergonha, cada dia perde mais credibilidade. Hoje mais da metade da população não quer ele”, disse.
O deputado afirma, ainda, que o presidente não tem mais condições de governar o país, está no cargo errado e é capaz de dar um golpe militar.
“Ele é capaz de um golpe! Não é impossível porque ele está cercado de militares e defendem golpes, eu sei que tem militares que não concordam, mas do jeito que está caminhando é o que eles querem. Por isso que é importante evitar e enfrentá-lo e uma das formas é tirá-lo do poder. O Brasil não merece figuras como esse. Ele está acabando com as políticas sociais. Nesse momento, está contribuindo com as mortes da pandemia do coronavírus porque ele é o primeiro a desrespeitar as orientações da área da saúde de isolamento social. Portando ele faz exatamente o contrário o que a área da saúde orienta para salvar vidas da população. Então, ele está contribuindo com as mortes, ele tem que ser responsabilizado por esses crimes “, afirma.
Para apoiador, governo de Bolsonaro é técnico
Para o vereador de Manaus, Chico Preto (DC), Jair Bolsonaro construiu uma equipe técnica, deixando de lado pela primeira vez a participação de caciques partidários da Esplanada dos Ministérios. “Acredito que o governo acerta em mudar peças que não se encaixam na visão de Brasil conservador, consagrada nas urnas em 2018 com a eleição do presidente”, disse.
Sobre a militarização, o vereador bolsonarista afirma que não faz o menor sentido para ele. “A única coisa que acredito ser necessária é a presença de pessoas capacitadas para exercer as funções de gestão no governo. Não tenho dúvidas de que a equipe do governo federal, seja militar ou civil, tem competência para conduzir nosso país”.
Ele afirmou, ainda, que continua firme apoiando o presidente Jair Bolsonaro porque acredita ser verdadeiro e suas intenções são boas. “Sua forma de falar, firme e ríspida muitas vezes, é necessária para romper com o sistema podre que tomou conta de Brasília. Eu, e grande parte da população, está cansada de engravatados que falam bonito, mas que na calada da noite operam pra enfraquecer o cidadão e fortalecer os políticos. Minha visão é clara: mais liberdade para o cidadão e menos privilégios para os políticos”, defendeu.
Atitudes
Para os especialistas, as aparições diárias do presidente na frente do Palácio do Alvorada para cumprimentar apoiadores é uma tentativa de se manter popular entre aqueles que o apoiam e de uma forma mostrar apoio as manifestações realizadas contra o STF, por exemplo.
Durante essas aparições, o presidente, inclusive, desrespeita profissionais da imprensa. No último mês, o presidente mandou, por duas vezes, jornalistas calarem a boca.
Bolsonaro está no segundo ano de mandato e, desde que assumiu o governo federal, vem protagonizando acontecimentos insólitos na política nacional.
Álik Menezes, para O Poder
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