A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, votou pela inconstitucionalidade do “orçamento secreto” nesta quarta-feira, 14. A relatora das ações que questionam as emendas de relator considerou que a falta de transparência e a abertura para “atos que dão ensejo à concretização de práticas patrimonialistas e obscuras” são incompatíveis com a Constituição.
Com afirmações duras, Weber se pronunciou contra o anonimato das emendas e ressaltou que, hoje, “a identidade dos efetivos solicitadores e o próprio destino desses recursos acham-se recobertos por um manto de névoas”.
“Julgo procedentes os pedidos deduzidos nas ADPFs 850, 851, 854 e 1014, para declarar incompatíveis com a ordem constitucional brasileira as práticas orçamentárias viabilizadoras do chamado “esquema do orçamento secreto”, consistentes no uso indevido das emendas do relator-geral do orçamento para efeito da inclusão de novas despesas públicas ou programação no projeto de lei orçamentária anual”, disse Rosa Weber em seu voto.
Pelo voto de Weber, as emendas RP9 – de relator – estão vedadas. Elas não acabam, mas só poderão ser usadas para correção de erros em destinações de verbas.
“As emendas do relator-geral do orçamento destinam-se, exclusivamente, à correção de erros e omissões, vedada a sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual”, diz a tese firmada pela relatora em seu voto.
A sessão do STF foi encerrada após o voto de Rosa Weber e recomeça nesta quinta-feira, 15. Agora, os outros 10 ministros vão deliberar sobre o tema. O ministro André Mendonça será o primeiro a votar.
Voto
A relatora das quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF citou esquemas antigos de corrupção como os “anões do orçamento” e a “máfia dos sanguessugas” para exemplificar fraudes com recursos da União, envolvendo parlamentares.
No voto de Weber ficou a comparação de que as emendas de RP9 fazem parte de uma política que “instrumentaliza fórmulas jurídico-contábeis para conferir a aparência de institucionalidade ao que não encontra amparo na ordem constitucional”, disse.
“As despesas classificadas como RP9 não eram ordenadas apenas pelo relator-geral. Na realidade, as indicações de beneficiários foram encaminhados diretamente por senadores ou deputados ou líderes a presidência da República. Não se sabe quem são os parlamentares, as quantias e não existem critérios objetivos para realização das despesas, tampouco observam regras de transparência. Nem mesmo o Congresso e o Ministério da Economia foram capazes de identificar nesses autos, os ordenadores das despesas registradas sob o classificador RP9, ou os critérios, ou obras, serviços e bens ou objetivos vinculados ao planejamento orçamentário alcançados sobre esses recursos”, frisou em seu voto.
Julgamento
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta, o julgamento de ao menos quatro ações que questionam a constitucionalidade das emendas de relator. O tema começou a ser analisado no plenário do Supremo em 7 de dezembro, voltou nesta quarta e segue na quinta-feira.
Os 11 integrantes da Corte vão decidir se a Constituição permite a destinação de bilhões de reais em verbas públicas para parlamentares, com pouca transparência. Ficará estipulado se o Poder Legislativo pode definir como gastar essa verba sem que as despesas estejam necessariamente vinculadas a políticas públicas formuladas por ministérios e outros órgãos do Executivo, como ocorre com as emendas usuais.
Oficialmente chamados emendas de relator, esses repasses viraram moeda de negociação política do Executivo com o Legislativo ao longo do governo de Jair Bolsonaro (PL). No Orçamento de 2023, são empenhados R$ 19,4 bilhões para esse fim.
Nas ações que serão julgadas, PSol, PV, Cidadania e PSB alegam que falta transparência nessas emendas, pois não são divulgadas informações sobre quem libera os recursos, para quais fins e sob quais critérios. Para os autores dos processos, as emendas com dados ocultos ofendem os princípios da transparência, da publicidade e da impessoalidade, que estão previstos na Constituição. Elas podem, inclusive, ser usadas para agradar aliados, já que não precisam ser justificadas ou explicadas.
Idas e vindas do orçamento secreto
O que veio a ser conhecido como orçamento secreto nasceu em 2019, com o nome de “emendas de relator” ou “RP-9”. Tratou-se de uma investida do Legislativo federal sobre verbas que antes eram manuseadas por órgãos do Poder Executivo. Emendas parlamentares sempre existiram, mas, no orçamento secreto, os repasses foram ficando cada vez maiores e comprometiam mais expressivamente o orçamento do governo federal.
Pressionado sobre o tema ao longo da campanha presidencial de 2022, o presidente não reeleito Jair Bolsonaro (PL) costumava dizer que não tinha poder sobre o orçamento secreto e que inclusive era contra, tendo vetado o dispositivo em 2020. Após pressão dos parlamentares, no entanto, restituiu o orçamento secreto por lei.
Bolsonaro vetou o orçamento secreto quando sancionou o Orçamento de 2020; os parlamentares até tentaram derrubar o veto, mas não conseguiram, por falta de votos. Ainda em 2019, após negociação com os líderes do Congresso, o então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, encaminhou ao Congresso um projeto de lei que recriava as emendas vetadas. O texto foi aprovado em votação simbólica.
Mesmo após o orçamento secreto ter virado lei, o governo federal continuou exercendo poder sobre as liberações, como mostra o recente bloqueio imposto por Bolsonaro, que coincidiu com um acordo entre Arthur Lira e o PT, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
A questão já foi discutida na Justiça, e o orçamento secreto chegou a ser proibido, mas a pressão dos parlamentares reverteu a situação. No fim de 2020, a ministra Rosa Weber proibiu, em liminar, a continuação da distribuição das emendas sem transparência; meses depois, porém, a magistrada cedeu a pedidos dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e recuou da proibição, definindo que os repasses poderiam voltar se tivessem mais transparência.
Essa decisão, no entanto, não foi integralmente cumprida pelo Congresso. Isso porque apenas cerca de 400 parlamentares enviaram documentos que os vinculavam à liberação de verbas do orçamento secreto, mas esses dados abarcaram menos de um terço dos R$ 37 bilhões liberados no período. Os quase R$ 20 bilhões restantes seguiram secretos.
Da Redação com informações de Metrópoles
Foto: Carlos Moura/STF