maio 8, 2025 17:35

STJ ultrapassa 1 milhão de habeas corpus e ministro vê abuso do instrumento

No último dia 30, o STJ alcançou a marca de 1 milhão de HCs impetrados na Corte. Para o ministro Sebastião Reis Júnior, o número é alarmante e revela uma realidade ambígua: por um lado, evidencia o amplo acesso do jurisdicionado ao Tribunal; por outro, escancara o uso abusivo do instrumento, muitas vezes acionado como substituto recursal inadequado, o que dificulta a rotina dos ministros.

Em entrevista ao Migalhas, o ministro alertou que o elevado volume de HCs compromete a qualidade das análises, prejudicando uma apreciação mais aprofundada dos casos – algo que seria mais viável em recursos apropriados.

Segundo Sebastião, embora o HC seja uma ferramenta constitucional essencial à proteção da liberdade, tem sido, em diversos casos, desvirtuado para suprir falhas processuais ou contornar a má condução de recursos cabíveis.

“Há um excesso. Não são todos os advogados, mas uma parte utiliza o HC como forma de corrigir erros cometidos ao longo do processo ou de suprir deficiências na interposição de recursos próprios, como o recurso especial”, afirmou. Em certas situações, segundo o ministro, chega a configurar abuso.

Sebastião também chamou atenção para um entrave técnico relevante: o uso indiscriminado do HC impede que teses penais discutidas nesse tipo de ação sejam submetidas aos embargos de divergência, uma vez que não há decisões conflitantes em outros ramos. Isso, na prática, dificulta a uniformização da jurisprudência penal no âmbito do Tribunal.

Termômetro da ilegalidade

Para o criminalista e professor Aury Lopes Jr., é preciso evitar a leitura de que o número elevado de habeas corpus representa uma “banalização” do instrumento. Ao contrário, trata-se de um sintoma grave da “doença” do sistema penal.

“Se temos um número muito grande de habeas corpus no STJ e uma parte bastante significativa sendo acolhida, isso é sinal de que as regras do jogo do devido processo estão sendo sistematicamente violadas aqui na planície”, afirmou.

Segundo o professor, o HC tornou-se uma via necessária diante da enorme dificuldade de acesso aos tribunais superiores pelos meios recursais clássicos.

“Criamos obstáculos recursais tão severos que o HC passou a ser o único caminho viável. Ainda bem que temos o STJ e o STF, porque senão o nível de ilegalidade seria gigantesco.”

O jurista defendeu um diagnóstico sério – uma “anamnese” – do problema.

Para ele, é preciso investir na triagem das acusações logo na origem, com rigor quanto a provas ilícitas, acusações sem justa causa e decisões que contrariem precedentes firmados pelos tribunais superiores.

Aury também denunciou a resistência de alguns tribunais em seguir os paradigmas fixados, citando nominalmente o TJ/SP como um dos que frequentemente descumprem decisões do STJ.

Investir, não restringir

Enquanto alguns defendem restringir o acesso à Justiça como forma de aliviar o STJ, Aury propõe o oposto.

“O STJ precisa dobrar de tamanho. Não se faz administração da Justiça sem investimento. É preciso aumentar o número de turmas criminais. Não se trata de limitar o acesso porque o tribunal está entupido, mas de criar uma justiça que dê conta da demanda de um país continental.”

HC histórico

O HC 1.000.000 foi distribuído ao ministro Ribeiro Dantas, da 5ª turma. A matéria impugnada tratava da dosimetria da pena – tema que, somente em 2024, foi responsável por 27% das concessões da Corte, somando 5.563 ordens.

Na decisão, o ministro criticou o uso abusivo do HC e a obsolescência do atual modelo recursal penal. Segundo Ribeiro Dantas, o marco de 1 milhão é “antinatural” e revela a banalização do instrumento, que passou a ser acionado para toda sorte de controvérsias penais – de nulidades processuais à própria dosimetria da pena.

“O habeas corpus deixou de ser um instrumento voltado à liberdade ambulatória e passou a servir como substitutivo para qualquer demanda penal”, afirmou. O ministro também destacou que a sobrecarga exige, atualmente, o apoio de juízes de 1º grau para dar vazão à demanda da 3ª seção.

Crescimento acelerado

A evolução numérica do habeas corpus no STJ impressiona:

  • Foram necessários 19 anos (1989 a 2008) para atingir os primeiros 100 mil HCs;
  • 30 anos (até 2019) para alcançar os 500 mil;
  • E apenas seis anos para dobrar esse número e chegar ao milhão em 2025 – o que demonstra uma aceleração notável e a consolidação de um padrão preocupante.

 

Da Redação com informações de Migalhas

Foto: Divulgação

 

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