O ex-presidente Jair Bolsonaro foi interrogado nesta terça-feira, 10, no âmbito da ação penal que tramita no STF sobre tentativa de golpe de Estado. A oitiva é parte da fase de instrução do processo que apura a articulação de um plano para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, no fim de 2022.
A Corte ouve, ao longo da semana os oito réus que, segundo a acusação, compõem o “núcleo duro” da trama golpista. Além de Bolsonaro, integram esse grupo Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
As perguntas foram feitas pelo relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, pelo ministro Luiz Fux e pelo procurador-Geral da República, Paulo Gonet. A defesa de Bolsonaro também teve oportunidade de questioná-lo.
Negativa de envolvimento
Bolsonaro negou envolvimento nos crimes de que é acusado. “Não procede a acusação, Excelência”, disse logo no início. Moraes então passou a abordar episódios específicos, como a reunião ministerial de 5 de julho de 2022, usada pela PGR como indício de que Bolsonaro teria tentado deslegitimar o sistema eleitoral.
O réu também declarou que jamais descumpriu ordens judiciais ou agiu fora dos limites constitucionais. A afirmação, no entanto, contrasta com declarações anteriores em que Bolsonaro disse que não obedeceria decisões do ministro Alexandre de Moraes, como em manifestação de 7 de setembro de 2021.
Desconfiança sobre urnas
Confrontado com suas declarações sobre fraudes eleitorais e desconfiança em relação às urnas eletrônicas, Bolsonaro afirmou que não era o único a ter dúvidas e citou uma fala atribuída ao ministro Flávio Dino, em 2010, sobre a necessidade de maior auditagem do sistema eleitoral.
Desculpas a Moraes
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Questionado sobre falas contra os ministros do Supremo e do TSE, nas quais insinuou que Fachin, Barroso e Moraes estariam “levando 30 milhões de dólares”, Bolsonaro pediu desculpas e disse que não tinha indícios, e que essas falas foram usadas como retórica.
Ele também disse que sua campanha política foi prejudicada por decisões judiciais, como quando foi impedido de utilizar imagens de Lula a favor do aborto.
Urnas em xeque
Moraes também questionou fala de Bolsonaro em live colocando em xeque o sistema eleitoral; ao responder, o ex-presidente disse que, se não houvesse dúvidas, eles não estariam ali hoje. Moraes rebateu, dizendo que não há dúvidas sobre o sistema eleitoral e “esse inquérito não tem absolutamente nada a ver com urnas eletrônicas”.
O ex-presidente foi enfático ao dizer que o sistema eletrônico possui vulnerabilidades, e defendeu o voto impresso como uma medida de segurança, na qual teria buscado não desacreditar, mas alertar.
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Minuta de quebra da normalidade
Moraes perguntou se Bolsonaro se reuniu com seu ex-assessor Felipe Martins com advogado para tratar sobre o art. 142 da CF (que trata de garantia da lei e da Ordem pelas Forças Armadas), e de uma minuta que previa quebra da normalidade democrática. O ex-presidente disse que esteve com Martins, mas não tratou de minuta.
“Quando se fala em minuta, dá a entender que é minuta do mal. Quando se fala em minuta do mal, conspiração, eu sempre estive do lado da Constituição. Refuto qualquer possibilidade de se falar em minuta de golpe ou que não esteja enquadrada na CF.”
Ao ser questionado sobre reunião com líderes das Forças Armadas, Bolsonaro confirmou que foram tratados assuntos com GLO (garantia da lei e da ordem), entre outros motivos porque caminhoneiros ameaçaram parar e havia multidões em frente aos quarteis.
“Estudamos possibilidades outras dentro da Constituição, ou seja, jamais saindo das quatro linhas.”
Ainda sobre a minuta, Bolsonaro afirmou que havia um padre junto na conversa, e que sempre recebia religiosos no Palácio da Alvorada.
Moraes afirmou que, segundo depoimento de outros réus, haveria uma minuta e Bolsonaro teria “enxugado” o documento, tendo feito alterações, e questionou se Bolsonaro se lembra disso.
O ex-presidente disse que “isso foi colocado em uma tela de televisão”, mas a discussão já começou sem força e que nada foi à frente. Disse também que “não procede o enxugamento”.
O ex-presidente afirmou que a ideia que alguns levantavam foi o estado de sítio, por exemplo. “As ilações corriam soltas. A gente lamenta as ilações, mas em nenhum momento, eu, ministro da Defesa ou comandos de Força pensamos em fazer algo ao arrepio da lei e da Constituição.”
Ameaça de prisão
Bolsonaro disse que, em nenhum momento, algum comandante de Forças Armadas ameaçou sua prisão, rebatendo informações de outros réus nesse sentido.
Negou, também, que o almirante Garnier teria colocado tropas da Marinha a sua disposição.
“Quer ser meu vice?”
Enquanto explicava que tem boa aceitação pelo país, Bolsonaro perguntou a Moraes se poderia fazer uma brincadeira. “EU perguntaria aos advogados”, disse Moraes.
“Gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 2026.” “Declino”, respondeu o ministro.
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Minimizando o 8 de janeiro
O ex-presidente minimizou os atos do 8 de janeiro, dizendo que não houve armas de fogo e que não faria sentido chamá-los de golpe. Criticou ainda as penas impostas aos condenados: “Não consigo entender certas penas a pessoas que mal sabiam o que estavam fazendo naquele momento”.
“Arrecadei mais do que o Criança Esperança”
Bolsonaro afirmou que foram muito difíceis os anos na presidência, e que raramente sobrava tempo para um passeio de jet-ski. Disse, ainda, que seu trabalho foi estritamente voltado a atender o anseio da população.
“Se não fosse a campanha de pix, não sei como estaria vivendo hoje em dia. R$ 17 milhões, depois mais um pingado. Chegou a R$ 18 milhões. E a gente gasta. Não posso trabalhar de graça. Não teria como ajudar meu filho que está nos EUA também. Arrecadei mais dinheiro do que o Criança Esperança, sinal de que o pessoal gosta da gente.”
Acampamentos
Bolsonaro disse que manifestantes acampados em frente a quarteis foi movimento voluntário, e que ele nunca foi aos acampamentos, e apenas tinha informações pela mídia.
Reunião vazada
Ao interrogar o réu, Fux perguntou: “tem uma reunião em que o senhor escorregou no vocabulário e ofendeu autoridades, disse que receberiam dinheiro, enfim”. Fux perguntou se a reunião foi divulgada ou grampeada. Bolsonaro respondeu que foi grampeada.
“Alguém gravou essa reunião, que alguns apelidaram de reunião do golpe. (…) Eu sempre carreguei no linguajar. Tento me controlar, tenho melhorado bastante, acredite se quiser. Mas, com 70 anos, é difícil mudar muita coisa. Mas lamentavelmente alguém gravou, e foi descoberta, de modo que tornou-se pública.”
Credibilidade do sistema eleitoral
Bolsonaro afirmou que é “carta fora do baralho”, mas que cabe aos ministros restabelecer a credibilidade do sistema eleitoral perante a população.
Atrito com Barroso
Bolsonaro disse que tem questões pessoais com Barroso. Disse que, anos atrás, quando Barroso era advogado, defendeu Cesare Battisti, enquanto Bolsonaro, como deputado, queria sua extradição.
Citou, também, reunião da UNE em que Barroso afirmou: “derrotamos o bolsonarismo”.
“Eu relevo muita coisa, mas ele parece que marcou isso aí e não me esquece”, disse o ex-presidente.
Rebateu, no entanto, que tenha ameaçado o Judiciário ou outro Poder da República.
Intervenção militar
O PGR Paulo Gonet questionou por que Bolsonaro não tomou providências sobre manifestações que questionavam o resultado das urnas, pediam intervenção militar e atentavam contra a normalidade constitucional.
O réu afirmou que deu governo trabalhou, sim, para que manifestações como a dos caminhoneiros fossem desmobilizadas, e que não estimulou atos. “Deixa o povo desabafar.”
Discurso de medida de exceção
Gonet questionou Bolsonaro sobre documento encontrado na sala do ex-presidente na sede do PL que falava de operação de garantia da lei e da ordem e estado de sítio. “Gostaria de questionar: por que ele tinha pronto discurso decretando medidas de exceção?”
Bolsonaro respondeu que recebeu o documento de seu advogado, que imprimiu pois era parte do inquérito.
Convocação de militares
Gonet também perguntou se Bolsonaro considera que está em conformidade com a Constituição o fato de não concordar com uma decisão do Judiciário e convocar reunião com os comandantes das Forças Armadas.
Bolsonaro respondeu que o convite aos militares se deu porque têm a mesma formação, fizeram a mesma academia militar. “Militar é aquele que está ao seu lado nas horas boas e nas ruins. (…) Procurador, por favor, o sr. pode confiar nos militares.”
Punhal verde e amarelo
Bolsonaro respondeu ao seu próprio advogado, Celso Vilardi, que desconhecia o plano do “punhal verde e amarelo” ou qualquer plano que envolvesse a morte de autoridades, e que só tomou conhecimento deles pela imprensa.
Da Redação com informações de Migalhas
Foto: Divulgação/STF