novembro 24, 2024 09:10

Com preços em alta, Bolsonaro e Lula erram em falas sobre combustíveis

Em pré-campanha para as eleições deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deram declarações incorretas sobre combustíveis em paralelo ao aumento nos preços de produtos como gasolina e diesel anunciado pela Petrobras.

Após consultar economistas, o UOL Confere verificou que Bolsonaro errou ao falar da importação de derivados de petróleo pelo Brasil e do endividamento da Petrobras. Lula, por sua vez, abordou de forma incorreta a privatização da BR Distribuidora e a autossuficiência do Brasil em petróleo. Leia a checagem abaixo:

Declarações de Bolsonaro

Entre as 10 maiores economias do mundo, a única que tem que importar derivado de petróleo é o Brasil.”

Jair Bolsonaro (PL)

A declaração de Bolsonaro é falsa. Segundo estimativas de diferentes fontes, levando-se em conta o valor do PIB (Produto Interno Bruto) em dólares, o Brasil não figura entre as 10 maiores economias do mundo. Além disso, países que fazem parte deste grupo importam, sim, derivados de petróleo.

De acordo com estimativas do FMI (Fundo Monetário Internacional), o Brasil não está entre as 10 maiores economias do mundo desde 2020 (12ª posição em 2020 e 2021). A economia brasileira estava em 12º lugar na lista mais recente do Banco Mundial, com data de 2020. E levantamento feito pela agência de classificação de risco Austin Rating mostrou o Brasil fora do grupo em 2020 (12º lugar) e 2021 (13º).

Os derivados do petróleo incluem produtos como diesel, gasolina, querosene de aviação, gás liquefeito, lubrificantes e outras substâncias que servem como matéria-prima para a criação de produtos diversos. Os EUA, por exemplo, importam uma série de derivados da Rússia, como mostrou reportagem da agência de notícias Reuters publicada no dia 8.

Pedro Rodrigues, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), explicou que os EUA produzem muito petróleo, mas que também importam a mercadoria e seus derivados. “Outros países também são importadores: a China, o Japão, a Europa como um todo é um importador”, disse.

Bolsonaro fez a alegação ao justificar o aumento nos preços dos combustíveis. “Então, nós dependemos de importação de diesel, de gasolina, entre outras coisas. Isso encarece muito o preço aqui dentro”, disse o presidente. Ele deu as declarações durante transmissão ao vivo nas redes sociais em 10 de março.

Se lá atrás o PT tivesse feito seu trabalho, não tivesse endividado a Petrobras em aproximadamente R$ 900 bilhões e não ter feito nada, não estaríamos nessa situação tão complicada.”

Jair Bolsonaro (PL)

A declaração de Bolsonaro é falsa. Em reais, o endividamento recorde da Petrobras ocorreu no terceiro trimestre de 2015, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), mas o valor é quase metade do citado pelo presidente: R$ 506,3 bilhões.

Um comunicado divulgado pela Petrobras em outubro de 2021 dizia que a dívida da empresa “chegou a mais de US$ 130 bilhões em 2014”, também durante o governo Dilma, e que este valor chegou perto de US$ 160 bilhões depois que a empresa mudou suas normas contábeis em 2019.

O balanço da estatal mostra que ela fechou 2014 com uma dívida de US$ 132,1 bilhões. O documento também dá o valor em reais: R$ 351 bilhões. Usando a mesma taxa de conversão, uma dívida de US$ 160 bilhões em 2014 seria equivalente a R$ 425,1 bilhões em valores da época — cifra também inferior à citada por Bolsonaro.

Segundo o balanço mais recente, do último trimestre de 2021, a Petrobras fechou o ano com uma dívida bruta de US$ 58,7 bilhões — ou R$ 331,65 bilhões, de acordo com a conversão pela taxa de câmbio nominal do Banco Central válida para dezembro de 2021 (R$ 5,65).

Bolsonaro deu a declaração também durante a transmissão ao vivo nas redes sociais em 10 de março.

Eu acho que (o preço da gasolina) vai aumentar. O mundo todo aumentou e eu não defino o preço na Petrobras.”

Jair Bolsonaro (PL)

A declaração de Bolsonaro é verdadeira. Mauro Rochlin, professor de economia da FGV (Fundação Getulio Vargas), explicou que desde a implementação da nova política que define o preço do petróleo, em 2016, que toma como base o mercado externo, o presidente não pode interferir diretamente no valor definido pela Petrobras.

“A política de preços tem essa estrutura: preço internacional do barril de petróleo, multiplicado pela cotação do dólar, para definir o preço do petróleo aqui dentro. Acrescente-se a isso as margens de lucro das diferentes etapas da refinaria —no caso da Petrobras, dos distribuidores do varejo; acrescente também o ICMS, os impostos federais, aí você tem o preço final na bomba de gasolina. Ou seja, o presidente da República, de acordo com essa diretriz, não é o responsável pela definição do preço”, disse.

Isso não significa que o poder público não poderia fazer nada para reduzir os impactos da alta nos combustíveis, afirmou Pedro Rodrigues, do CBIE.

“É possível fazer política pública com dinheiro do Tesouro, amenizando os efeitos do aumento para quem mais precisa, como é o caso do vale-gás para famílias de baixa renda. Poderia ter um tipo de auxílio parecido para caminhoneiros ou para profissionais de outras áreas”, detalhou.

Cinco dias após a declaração sobre a impossibilidade de interferir nas políticas de preços da Petrobras, Bolsonaro pediu que a estatal seguisse a queda internacional dos valores do petróleo.

A frase checada foi dita por Bolsonaro em conversa com apoiadores, em frente ao Palácio do Alvorada, no dia 10 de março de 2022.

Declarações de Lula

Sabe porque a gasolina, o gás e o diesel estão caros? Porque esse Brasil tinha uma grande distribuidora chamada BR, que foi privatizada e agora você tem empresas importando gasolina dos Estados Unidos em dólar enquanto temos autossuficiência e produzimos petróleo em reais.”

Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

A declaração de Lula é distorcida, porque trata informações verdadeiras de forma enganosa — no caso, a privatização da BR Distribuidora e a autossuficiência do Brasil em petróleo.

Segundo Pedro Rodrigues, diretor do CBIE, a venda da BR Distribuidora não influenciou na alta de preço dos combustíveis, já que as distribuidoras têm como objetivo ir em busca de combustíveis mais baratos — ideia oposta ao que foi dito por Lula.

“A privatização da BR Distribuidora, em 2019, não tem absolutamente nada a ver com a alta dos combustíveis que a gente está tendo agora. A BR era mais um player de distribuição, um dos agentes da cadeia de distribuidor, no Brasil há 144 deles. Essas distribuidoras compram gasolina da Petrobras, de importadores independentes e privados, e vendem para os postos que, [por fim], revendem aos consumidores finais. A distribuidora sempre vai procurar a gasolina mais barata. A ideia dela nunca é vender mais caro, porque ela perde mercado e as pessoas vão deixar de andar de carro”, explicou.

Ecio Costa, professor de Economia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), disse que a privatização da BR Distribuidora foi importante para repassar ao consumidor um preço mais competitivo.

Já Mauro Rochlin, da FGV, lembrou que a mudança na política de preços na Petrobras aconteceu em 2016, no governo de Michel Temer (MDB), antes da privatização da BR Distribuidora.

Além disso, Lula não levou em conta a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que impactou diretamente o mercado de petróleo, segundo o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).

“Sempre quando há algum episódio que afete a oferta ou demanda do petróleo nos mercados, como um conflito geopolítico envolvendo um país com grande produção e exportação, como é o caso que estamos vivendo entre Rússia e Ucrânia, o preço do barril é impactado. No caso do Brasil, o preço do petróleo e dos seus derivados sofre ainda a influência do câmbio. Com o real desvalorizado frente ao dólar, a percepção do preço fica ainda mais forte para os agentes do mercado e consumidores”.

Outra distorção presente na declaração de Lula está no trecho sobre a autossuficiência do Brasil na produção do petróleo. O ex-presidente não explicou que as características do produto extraído no Brasil e a estrutura de refinarias no país são os responsáveis pela importação da commodity e de seus derivados.

Segundo o IBP, o parque de refino nacional foi projetado para processar um tipo de petróleo mais pesado, mas a maior parte do que é extraído no Brasil vem dos reservatórios do pré-sal —onde o petróleo é mais fino. Por essa razão, para atender à demanda interna do parque de refino, o país importa cargas de petróleo.

“A produção que acaba não sendo utilizada no mercado interno segue para outros mercados no exterior, representando uma importante fonte de receita para o país, com grande relevância na balança comercial brasileira. O parque de refino brasileiro é menor que a demanda do país, e por isto importa-se derivado, ainda que também neste caso, o país exporte alguns derivados”, explicou o instituto.

A declaração foi dada por Lula em entrevista à rádio Itatiaia, de Minas Gerais, no dia 10.

Hoje o barril de petróleo está custando exatamente US$ 113,89, e o preço médio do litro de gasolina na bomba é de R$ 7,50. Mas em 2008, quando Lula ainda era presidente, o barril de petróleo custava US$ 146,08 e, mesmo assim, a gasolina chegava a R$ 2,50 na bomba para os brasileiros.”

Site oficial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

A alegação é distorcida, porque trata dados verdadeiros de forma enganosa. Segundo o professor Ecio Costa, da UFPE, a comparação desconsidera a inflação brasileira que ocorreu ao longo desses 14 anos.

“Da maneira que está, a comparação não é correta por todos esses problemas: você tem, em um quadro, o preço do barril em dólares e o preço da gasolina em reais. [Além disso], é usado o preço nominal, em vez de usar o preço descontado pela inflação ou pela variação cambial daquele período. As alíquotas de ICMS [também] não são as mesmas ao longo desse período, elas aumentaram”, explicou o economista.

A alegação checada foi publicada no site oficial de Lula no dia 11.

Por que o preço da gasolina subiu de novo?

Ao anunciar o novo aumento nos preços da gasolina, diesel e gás de cozinha, a Petrobras disse que tomou a medida depois de observar “preços em patamares consistentemente elevados” após a disparada do petróleo e derivados em todo o mundo devido à guerra entre Rússia e Ucrânia. Segundo a estatal, o reajuste foi necessário “para que o mercado brasileiro continue sendo suprido, sem riscos de desabastecimento”.

Nas distribuidoras, o preço médio da gasolina passou de R$ 3,25 para R$ 3,86 o litro, um aumento de 18,77%. Para o diesel, o valor foi de R$ 3,61 a R$ 4,51, alta de 24,9%. O gás de cozinha passou de R$ 3,86 para R$ 4,48 por quilo, um reajuste de 16%. A última alteração no preço dos combustíveis tinha ocorrido em 11 de janeiro. Já o GLP foi reajustado em outubro do ano passado.

Ainda de acordo com a estatal, o aumento reflete “parte da elevação dos patamares internacionais de preços de petróleo, impactados pela oferta limitada frente a demanda mundial por energia.”

O reajuste também tem relação com a política de preços adotada pela Petrobras em 2016, que acompanha a cotação internacional do petróleo, em dólar. Com isso, quando o real se desvaloriza frente à moeda americana, isso também contribui para que os combustíveis fiquem mais caros no Brasil. Desde janeiro do ano passado, a Petrobras reajustou os preços 13 vezes.

Em uma tentativa de mitigar o impacto de altas nos preços de combustíveis, o Congresso aprovou e Bolsonaro sancionou um projeto de lei que cria um valor fixo para o ICMS que incide sobre este tipo de produto. No entanto, na prática, a mudança pode fazer os preços subirem em nove estados e no Distrito Federal.

Conteúdo: UOL

Foto: Divulgação

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